O G-20 e as desigualdades
Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam Brasil. Este artigo foi escrito para a edição 149 do boletim do WBO, de 10 de janeiro de 2025. Para ser assinante e receber gratuitamente, toda semana, notícias e análises como esta, basta inserir seu e-mail no campo indicado.
O G-20 é um dos principais espaços da governança global. Neste espaço, que reúne as principais economias a partir de uma lógica de fortalecimento da cooperação entre países, tem-se a possibilidade de endereçar os principais temas de nossa era.
Na liderança desse espaço, o Brasil teve como agendas prioritárias a reforma da governança internacional, dimensões de sustentabilidade e o enfrentamento a fome e a pobreza, mas a pergunta que nos fazemos aqui é: terá sido suficiente?
Pensar a governança internacional é urgente, mas a partir de uma perspectiva de inclusão. A questão que se impõe é, portanto, como podemos construir dinâmicas de cooperação e de promoção de desenvolvimento sem que haja uma representação adequada dos diferentes contextos? Qual a métrica que utilizamos quando trazemos à tona ideias como desenvolvimento, cooperação e sustentabilidade?
Para se ter um modelo de desenvolvimento que não deixe ninguém para trás, é preciso descolonizar a ideia de desenvolvimento, entender os impactos da colonialidade na conformação dos contextos e ser capaz de identificar as estratégias de resistência construída por cada um deles.
Nesse sentido, a cúpula do G-20 realizada no Brasil, ao abrir espaço para a intensa participação social, aponta para o seguinte caminho: é a partir do diálogo e da construção de uma estrutura de governança que aproxima a sociedade civil dos Estados que se construirá uma nova gramática para o desenvolvimento. Endereçar isso, levando em conta que as demandas populacionais não são as mesmas, mas reconhecendo os diversos grupos que constituem a sociedade, foi chave para as demandas de mulheres, da população negra, das favelas; assim como para as formulações de caminhos a partir dos quais surgirão as respostas. A intensa troca com a África do Sul – que permite pensar o contexto africano para além do tokenismo e do estereótipo – funcionou para apontar de caminhos para a transformação.
Toda a participação social e as formulações presentes na trilha sherpa funcionaram como um espaço de articulação e de reagrupamento da sociedade civil em torno de uma agenda e de um espaço que não costumam ser destinados a esses públicos e a esses temas
Mas temos desafios: como fazer a Trilha de Finanças ser mais porosa às contribuições da sociedade civil? Como garantir que uma visão eurocêntrica e colonial, segundo a qual apenas alguns iluminados, em sua maioria homens, em sua maioria brancos, seriam capazes de alcançar o sentido das discussões? Todas as pessoas têm o direito de participar de decisões que atravessam sua vida, e nesse sentido é preciso garantir a todas as pessoas as plenas condições para participação. Sob a presidência do Brasil o G-20 construiu um potente espaço de participação da sociedade civil, mas essa sociedade, em toda sua diversidade, não se sentiu suficientemente em diálogo com a Trilha de Finanças. Apresentar propostas não é diálogo. Diálogo é encontro, é partilha, é ter respondidas suas considerações.
Avancemos também na consideração de que uma sociedade diversa precisa ter as demandas de todos os grupos sendo endereçadas na construção dos espaços e demandas. Como podemos ter certeza de que a agenda do G-20 constrói esse diálogo?
Ao final da presidência do Brasil no G-20, precisamos ir em busca de lições aprendidas. Afinal, em que medida todos os grupos de trabalho foram capazes de construir uma abordagem interseccional que possibilitasse que suas propostas não mantivessem nem reproduzissem as desigualdades? Por quem pressionamos os líderes globais? A quem deixamos para trás?
Mais do que apenas ter um grupo de mulheres, um grupo de favelas, um grupo de população negra, é preciso pensar em como avançaremos em análises e propostas que percebam as populações em sua inteireza e desenvolvam sobretudo a capacidade de inserir aquelas e aqueles que sistematicamente são deixadas e deixados para trás, invisibilizados porque são vidas que podem ser deixadas morrer.
Que a África do Sul avance, que esse caminho se fortaleça, que ninguém seja deixada, deixade ou deixado para trás.