A Promoção da Igualdade Racial no Ensino Superior: Desafios para o governo Lula
Rubia Valente é Research Fellow do Washington Brazil Office. É professora assistente da Marxe School of Public and International Affairs do Baruch College – City University of New York e membro do comitê executivo da Brazilian Studies Association (BRASA). Rosana Heringer é Research Fellow do Washington Brazil Office. É professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FE/UFRJ) e coordena o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (LEPES/UFRJ). Este artigo foi escrito por elas para a edição 76 do boletim semanal do WBO, de 21 de julho de 2023. Para assinar o boletim, basta inserir seu email no formulário no rodapé do artigo.
De 30 de maio a 2 de junho de 2023, as Nações Unidas realizaram o segundo Fórum Permanente para Afrodescendentes em Nova York. Este fórum visa promover os direitos da população negra; apresentar suas preocupações, recomendações, desafios; e compartilhar as melhores práticas em uma assembleia internacional que reúne especialistas de todo o mundo. Muitos representantes brasileiros estiveram presentes, incluindo a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que liderou a delegação brasileira. A ministro Franco fez um discurso apaixonado no qual destacou os muitos desafios ainda enfrentados pelos afrodescendentes no Brasil. Ela também realçou o fato de que o Brasil, a maior nação negra fora da África, ainda tem um árduo caminho para promover os direitos que sua população merece.
A implementação de políticas de ação afirmativa no Brasil foi um passo importante nessa direção, pois a falta de acesso ao ensino superior cria um ciclo intergeracional que prejudica particularmente os afrodescendentes, desproporcionalmente situados na base da escala socioeconômica. Embora muitos avanços tenham ocorrido desde a implantação das cotas raciais nas instituições de ensino superior no Brasil, o governo anterior trabalhou incansavelmente para desmantelar instituições acadêmicas, restringir programas de inclusão, reduzir recursos financeiros para universidades federais e programas como a Política Nacional do Estudante Apoio (PNAES). Essa foi uma tendência da campanha eleitoral de Bolsonaro e de seu governo, que negligenciou investimentos em pesquisas acadêmicas e científicas e em políticas de promoção da igualdade racial e criticou abertamente a lei de cotas.
É reconfortante que o novo governo esteja comprometido com o apoio às instituições de ensino superior e com a democratização das universidades brasileiras. No entanto, estudos recentes mostram que ainda há necessidade de aprimorar, proteger e fortalecer as políticas de ação afirmativa voltadas ao combate ao racismo e à promoção dos direitos dos negros brasileiros. O estudo “Avaliação de Políticas de Ações Afirmativas na Educação Superior no Brasil: Resultados e Desafios Futuros”, conduzido pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Superior da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lepes/UFRJ) e pela organização Ação Educativa (Ação Educativa), destacou alguns desafios que a nova gestão enfrentará no combate ao racismo no ensino superior.
Um dos principais desafios é que, apesar das políticas de ação afirmativa, o número de universitários formados cresceu no contexto da manutenção das desigualdades raciais. O aumento de universitários é significativo para a população branca, mas os avanços são bem menores para os negros.
Esta pesquisa também constatou que muitas universidades no Brasil não possuem programas de acompanhamento do desempenho e da trajetória dos cotistas – há falta de suporte pedagógico e pouca atenção dada às suas vivências cotidianas. Nos poucos casos em que as universidades possuem órgãos institucionais voltados ao acompanhamento de alunos pretos, pardos e indígenas, faltam recursos humanos e financeiros para apoiá-los adequadamente. Ao mesmo tempo, o estudo mostra que no nível institucional, poucas informações estão sendo coletadas pelas universidades sobre o perfil dos cotistas, seu histórico acadêmico, desempenho e desafios.
Este estudo apresenta uma série de recomendações destinadas a fortalecer as políticas de ação afirmativa no ensino superior brasileiro. Por exemplo, uma das propostas é articular as políticas de ação afirmativa com as que promovem a diversidade e a educação antirracista e antidiscriminatória, incluindo a plena implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana. Sugere também a implementação de “cotas epistêmicas”, o que implica uma diversificação curricular interseccional na perspectiva das matrizes afro-brasileira, africana, indígena, entre outras. Há também a necessidade urgente de aumentar a alocação de recursos para permanência de alunos e apoio financeiro, especialmente para os alunos cotistas, para que eles tenham a oportunidade de se dedicar em tempo integral aos seus estudos.
As políticas de ação afirmativa são um importante componente das políticas públicas voltadas para a igualdade racial no Brasil. Devem integrar outras importantes agendas sociais, econômicas e culturais desenvolvidas pelo governo brasileiro para abordar a questão do racismo e das desigualdades raciais no Brasil em suas diferentes expressões. O governo Lula tem agora uma oportunidade de fortalecer as políticas antirracistas nos níveis nacional, regional e global, e o Fórum da ONU foi um espaço importante para discutir essas políticas e apoiar sua plena implementação no Brasil. Como parte do fórum, o governo brasileiro recomendou a expansão da coleta de dados sobre raça e etnia em bancos de dados administrativos e o desenvolvimento de políticas contra a violência particularmente focadas na juventude negra urbana. Estes são passos críticos para a implementação de uma agenda antirracista que ajudará a moldar um futuro mais igualitário para a população negra brasileira.