Lula na ONU. O Brasil Voltou

Rafael R. Ioris é professor de História da América Latina na Universidade de Denver e pesquisador associado do WBO (Washington Brazil Office). Este artigo foi escrito por ele para o site do WBO em 19 de setembro de 2023.


Após 4 anos de vergonha no cenário internacional sob o (des)governo de Bolsonaro, nos últimos 8 meses o Brasil, liderado por Lula, voltou a interagir de maneira assertiva e propositiva com a comunidade global. Já nas primeiras semanas de governo, Lula retornou o engajamento com seus vizinhos, parceiros tradicionais, como os EUA, assim como parceiros estratégicos mais recentes, como a China, seja dentro de um formato bilateral, seja de maneira coletiva, como com a recente reunião histórica dos BRICS na Africa do Sul.

Na Assembleia Geral das Nações Unidas na manhã de hoje, Lula reafirmou o compromisso brasileiro com o multilateralismo, ao mesmo tempo em que não deixou de apontar críticas aos limites atuais do formato da governança global. Lula antecipou temas que deverá continuar a manter na agenda da diplomacia brasileira ao longo do próximo ano, quando o Brasil estará no comando concomitante do Mercosul, do G20, dos BRICS ampliado, e agora do Conselho de Segurança da ONU, tendo assim uma enorme plataforma que poderá utilizar para aprofundar a tese da reforma das instituições que coordenam dimensões geopolíticas e econômicas do mundo de hoje.

Lula começou seu discurso pelo tema da crise climática que, por sua vez, tem aprofundado ainda mais a já grave desigualdade socio-econômica global. Afirmou também que seu próprio retorno à Assembleia-Geral das Nações Unidas é uma demonstração de que a democracia no Brasil venceu a ameaça autoritária e que vê tal oportunidade como chave para retomar a causa do combate à desigualdade que, por continuar tão alta, ameaça a consecução dos objetivos de desenvolvimento sustentável propostos pela própria ONU a serem atingidos até 2030. Embora tenha reconhecido que a desigualdade se manifesta em várias dimensões da vida, sem surpresas, centrou muito da sua crítica ao status quo na continuidade da existência da fome que ainda aflige milhões ao redor do mundo. Com tal estrutura retórica, Lula associou pois o combate à fome e às desiguldades ao combate ao desmatamento, à defesa pela biodiversidade e à promoção de novas formas de energia mais sustentáveis.

O Brasil estará no comando concomitante do Mercosul, do G20, dos BRICS ampliado, e agora do Conselho de Segurança da ONU
— Rafael R. Ioris

Após reafirmar as credenciais centrais pelas quais o Brasil é reconhecido no cenário global, Lula entrou de forma dura, como esperado, na crítica da lógica atual do multilateralismo estabelecido que seria inerentemente injusta. Defendeu o fim do protecionismo dos países ricos e peso desigual de países industrializados ainda detêm nas decisões tomadas pelos organismos internacionais. Apontou o risco de tal modelo de governança, ao não oferecer reais meios de inclusão aos historicamente excluídos, o que serve como combustível adicional ao surgimento de líderes demagógicos – seja no ambiente doméstico, seja no contexto internacional.

No que tange ao complexo tema da guerra na Ucrânia, reiterou a necessidade de diálogo entre as partes, o que deveria servir também como meio para reavivar o papel da comunidade internacional na promoção da paz. Reafirmou que tais ações seriam úteis, da mesma forma, para impedir que o mundo se divida novamente entre blocos de países antagônicos sob uma nova Guerra Fria.

Por fim, Lula afirmou que o Brasil está disposto a trabalhar com a comunidade internacional a fim de buscar atingir todos objetivos elencados no seu discurso. Da mesma forma, tocou em várias chagas da governança global como a questão Palestina, a perseguição contra minorias LGBTs e mulheres, o anacrônico embargo a Cuba e várias crises humanitária e políticas atuais no continente africano. Nesse sentido, se apresentou como porta-voz de causas chave do Sul Global, ou como agora tem se tornado mais comum dizer, a Maioria Global.

No mesmo sentido, com tal discurso, Lula consagra o retorno do Brasil ao mundo, como nação democrática e que tem um papel central na promoção de causas progressistas, tanto no ambiente doméstico, como no cenário internacional. Assume a defesa do diálogo como forma de promoção de mudanças necessárias em diversas dimensões – não menor delas, a causa ambiental. Assume também a urgência da questão da desigualdade, que só poderá ser melhor dirimida caso novos arranjos de deliberação na governança global sejam criados.

Será Lula ouvido para além das paredes da sede da ONU, e mais importante, haverá algum impacto efetivo de tal discurso?, são todas questões importantes mas que não há como responder agora. O que cabe ressaltar contudo, é que com tal pronunciamento, Lula consegue reposicionar o Brasil no seu papel e presença históricas dentro da comunidade global. E ainda que ficasse só nisso, embora entendo que tais temas continuarão a ser avançados pela diplomacia brasileira nos próximos anos, com crescente protagonismo no mundo, já seria um avanço fundamental.    


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