A Amazônia, o Brasil e a democracia, 2013-2023
Janes Jorge é professor do curso de graduação e do programa de pós-graduação do Departamento de História da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e realiza pesquisas na área de história ambiental. Este artigo foi escrito por ele para a edição 94 do boletim semanal do WBO, de 24 de novembro de 2023. Para assinar o boletim, basta inserir seu email no formulário no rodapé do artigo.
A Amazônia não será preservada se a sua porção brasileira, que corresponde, aproximadamente, a 60% de sua área, não for preservada. E a preservação da Amazônia brasileira não é possível sem o fortalecimento da democracia e a elevação das condições materiais de vida da ampla maioria da população, em especial a que vive na Amazônia. É urgente ampliar as políticas públicas que promovam o desenvolvimento humano e massificar a educação ambiental. Residem na Amazônia brasileira cerca de 867.919 indígenas, aproximadamente 51% da população indígena do Brasil.
Desde os anos 1940, aumentar a ocupação e a exploração econômica da Amazônia tornou-se tema nacional. “Brasília é o trampolim para a conquista da Amazônia” foi o que disse Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, ao celebrar a primeira missa católica do Distrito Federal, quando tudo ainda era um vazio. Um dos que registraram a afirmação foi o jornalista Maurício Vaitsman, autor de reportagens sobre a construção da nova capital do Brasil nos jornais do Rio de Janeiro, entre fins de 1958 e o início de 1959. Não por acaso, além de Brasília, Vaitsman escreveu matérias sobre a Amazônia, pois uma outra obra grandiosa e decisiva na articulação territorial do Brasil, a estrada Brasília-Belém do Pará, também fora iniciada por Juscelino Kubitschek, presidente entre 1956 e 1961.
No caso da construção da Belém-Brasilia causa impacto o contraste entre a sensibilidade hoje dominante em relação à floresta e aquela existente no período das obras. Jornalistas noticiaram a cerimônia comemorativa da derrubada da última árvore no caminho da estrada, em Açailândia, hoje, município do Maranhão, onde se encontrariam duas frentes de trabalho, uma, que vinha do norte, e outra, do sul. Em 1º de fevereiro de 1959, o presidente Juscelino Kubitschek, sua esposa, filhas, ministros, os embaixadores da Bélgica, Suíça e República Dominicana, autoridades militares e civis, políticos, jornalistas brasileiros e estrangeiros, chegaram de avião ao meio da selva. Reunidos às turmas de trabalho, viram um enorme Jatobá ser derrubado por dois tratores, mas não sem antes resistir por cerca de duas horas, até, finalmente, tombar arrastando inúmeras árvores consigo. Era a imagem do progresso vencendo a natureza amazônica, tida como obstáculo ou mesmo inimiga. Hoje, cenas parecidas se repetem, mas a regra é ocultá-las. Na época argumentava-se que, uma vez estabelecida a função agrícola da terra, a floresta perdia o sentido, pois a primeira seria mais rendosa que a segunda. E defendia-se que abrir estradas era colonizar. No contexto brasileiro, o mais correto seria dizer degradar a natureza. E, em muitos casos, também a sociedade.
Mas o grande avanço sobre a Amazônia ocorreu durante a Ditadura de 1964, que levou adiante essa empreitada ao seu feitio, de forma violenta e predatória, atacando a floresta e os povos que ali viviam. Foi uma agressão em larga escala, que beneficiou o grande capital e todo tipo de oportunistas do mundo dos negócios. No período, foram realizados projetos de infraestrutura e desenvolvimento econômico equivocados, que deixaram ao país um conjunto de conflitos ambientais e sociais explosivos, uma história de crueldade e destruição que vem sendo revelada por pesquisadores.
A redemocratização do Brasil, que teve como marco a promulgação da Constituição de 1988, permitiu que o país pautasse a Amazônia e sua gente tendo como referência novos paradigmas que buscavam superar a exploração predatória de seres humanos e da natureza. Desde então, houve vitórias e derrotas para os defensores da Amazônia e seus povos, mas, a partir de 2016, com a ascensão da extrema direita no país e recuo da democracia, as forças da destruição voltaram a ter hegemonia. A vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2022, liderando uma frente ampla pela democracia e o início de seu governo, em janeiro de 2023, trouxeram, novamente, esperança para a democracia e para a Amazônia. Mas ainda está em aberto se o país vive, de fato, um outro momento histórico, se conseguiu derrotar a ameaça autoritária definitivamente.
A Amazônia conheceu, nas últimas décadas, forte crescimento demográfico e urbanização, o que aponta as cidades como elementos decisivos em seu desenvolvimento e na superação das suas carências e desigualdades sociais, bem como na promoção da cidadania e do avanço científico e tecnológico da região. As cidades amazônicas, no Brasil, não obstante suas singularidades, enfrentam os mesmos grandes problemas sociais e ambientais das cidades brasileiras, como desigualdades sociais gigantescas, dificuldade em universalizar os serviços públicos, entre eles, o transporte público e saneamento.
Quando se observa a urbanização da Amazônia brasileira, constata-se que, ao se pensar a Amazônia, a democracia e o Brasil, é possível tanto destacar as especificidades da região, a forma particular com que sociedade e natureza se relacionam por lá, ou seja, o que a diferencia das outras regiões brasileiras, mas, também, o que há de comum entre a história da região amazônica e a história de outras regiões brasileiras. Ou seja. A Amazônia não será preservada se o Brasil não encontrar um caminho de desenvolvimento com justiça social e preservando a natureza.