A Igualdade Racial em Tempos de Melancolia

Marcelo Paixão é professor associado da Universidade do Texas, Austin, afiliado ao Departamento de Estudos da Diáspora Africana (AADS) e ao Instituto Teresa Losano Long de Estudos Latino-Americanos (LLILAS). Este texto foi escrito por ele originalmente como um resumo das ideias apresentadas no evento realizado pelo WBO e a pela Universidade Georgetown, nos dias 19 e 20 de outubro de 2023, em Washington DC, e, em seguida, publicado na edição 93, de 17 de novembro de 2023, do boletim semanal do WBO. Preencha o formulário no final do texto para se inscrever no mailing e receber o boletim semanalmente.


Um dos maiores temores dos fundadores das ciências econômicas era com um sombrio cenário no qual por conta do próprio movimento da acumulação do capital as taxas de lucros cairiam a tal ponto que se iniciaria o grande período da melancolia. Século e meio mais tarde, os economistas latino-americanos como Celso Furtado e os dependentistas como Ruy Marini e Theotônio dos Santos entenderiam que os colapsos estruturais das economias periféricas causado pelo sistema de trocas desiguais e a concentração da renda causariam a impossibilidade do desenvolvimento econômico no longo prazo.

Se no longo interregno 1930-1980 o PIB per capita brasileiro cresceu a uma taxa anual de 4% ao ano, desde então até os dias atuais ela gira no entorno de 1%. Desde 1986, para ficarmos apenas no Plano Cruzado, colecionamos uma série de planos de estabilização macroeconômica fracassados, mas revertidos pelo Plano Real de 1994 que, todavia, instaurou entre os brasileiros a dura antinomia entre o controle da inflação e o crescimento econômico.[1]

Enquanto isso o mundo atravessava uma profunda transformação produtiva acarretando deslocamento das cadeias industriais para o Leste Asiático mas que foi muito além deste setor, englobando uma igual revolução no mundo dos serviços e da informação. No caso brasileiro esse mesmo momento foi marcado pela primarização de sua economia. Em 2022, quase dois terços de nossas exportações vieram das atividades de mineração e do complexo agroindustrial em contraste ao que ocorria em 1989 quando 2/3 do valor exportado era de manufaturados.[2]

O longo período da estagnação se fez acompanhar pela exponencial da voracidade sobre os recursos naturais e por um movimento neo-messiânico de extrema direita especialmente nas regiões Sul e Sudeste e na extensão do geograficamente imenso arco do desmatamento.

Ao longo dos anos 1970 foi predominante a interpretação de que o desenvolvimento econômico capitalista se viabilizaria pela articulação entre o capital privado nacional e internacional e os investimentos estatais. Se durante o Milagre econômico os dependentistas não conseguiram explicar o que estava se passando, passados quase cinquenta anos, o conjunto dos economistas brasileiros entendeu aposentar o debate sobre as razões mais profundas dos impasses que nos lançaram no mais melancôlico período de estagnação de sua vida republicana.

O pensamento desenvolvimentista brasileiro foi a rigor iniciado por Roberto Simonsen com seu História Econômica do Brasil publicado em 1937. Não por coincidência foi naquela mesma década que foram publicadas Casa Grande e Senzala (1933) e Sobrados e Mocambos (1936), de Gilberto Freyre e Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Hollanda, lançando as bases do moderno sentido de povo brasileiro centrados nas ideias de democracia racial e homem cordial. Portanto, estas múltiplas leituras sobre o passado e o futuro do Brasil estão organicamente articuladas.

Já que é assim, é impossível não se perguntar se o impasse dos impasses da economia brasileira não estão diretamente articulados com a matriz ideológica que lhe deu origem. Infelizmente, democracia racial e o homem cordial não se dissociam da lógica eugenista à brasileira que apontava o branqueamento progressivo de sua população pela via da miscigenação como a solução do nosso atraso. Autores primordiais da fundação do moderno Estado brasileiro que emerge nos anos 1930 como Oliveira Viana, Fernando Azevedo e o próprio Gilberto Freyre convergem a esse respeito. Hoje sabemos que esta matriz de pensamento faliu. Não seria portanto a hora de revisitarmos suas influências sobre o pensamento econômico brasileiro para descortinarmos novos horizontes?

Atualmente paira uma suspeita a ideia de que as chamadas políticas identitárias são comprometodoras do princípio da universalidade que devem reger as ações do Estado brasileiro. “Gregos foram as crianças normais” dizia velho Karl Marx no seu modelo eurocêntrico de compreensão da história universal. Toda ação social engloba uma inevitável dimensão de identidade e alteridade e o modelo fundado na improvável hipótese da existência de um sujeito universal não escapa desta compreensão.

As políticas de igualdade de gênero e raça não defendem o particularismo como princípio. Ela apenas descortina o particularismo oculto nas visões de mundo, que tornam universal um específico tipo particular de identidade de gênero (masculino-hetero) e racial (branco, ou no mundo da democracia racial o branco-mestizo).

Se o racismo e o sexismo são atitudes que permeiam o conjunto das instituições, é ilógico supor que as políticas orientadas para resolver as assimetrias derivadas daquelas relações de poder sejam somente compensatórias. Suas ações são estruturais em relação a um novo modelo de desenvolvimento fundado na superação das desigualdades sociais concomitantemente às de gênero e raça.

Se é verdade que a longa estagnação nos deve obrigar a pensar fora da caixa, fica o convite para revisitarmos os termos do que entendemos por colapso estrutural. Parte do que está escrito neste artigo eu aprofundo na minha “Lenda da Modernidade Encantada”. Mas por ora paro por aqui. Tal como diz nosso maluco beleza, Raul Seixas: “enquanto Freud explica, o diabo dá o toque.”


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