A expansão das novas extremas-direitas

Por Michel Gherman* e
Stephanie Assaf**

Este artigo foi escrito para a edição 123 do boletim semanal do WBO, publicado em 28 de junho de 2024. Para assinar o boletim e receber gratuitamente, insira seu e-mail no campo abaixo.


 

Em meados de junho de 2024, todos os grandes veículos de imprensa mundiais noticiaram o fato de que a extrema direita – ou ultradireita, na definição de alguns autores – avançou significativamente nas eleições europeias. Como resultado desse avanço, das 720 vagas disponíveis no Parlamento Europeu, aproximadamente 130 foram destinadas para políticos vinculados a esse campo, nos diversos grupos onde eles se organizam.

Todavia, é importante notar que já há mais de uma década representantes políticos de extrema direita vêm assumindo importantes cargos, tanto na política como na gestão pública. Isso tem ocorrido gradualmente, seja no Norte, seja no Sul Global.

N0 contexto de ascensão da extrema direita, nota-se a presença crescente de políticos ultraconservadores eleitos em diversos países. Viktor Orbán é o primeiro-ministro da Hungria desde 2010; Donald Trump foi presidente dos Estados Unidos entre 2017 até 2021; Jair Bolsonaro foi presidente da República no Brasil entre 2019 e 2022; assim como Javier Milei foi eleito presidente da Argentina em 2023 e ainda continua em exercício no cargo. 

A despeito de serem muito significativos, todos os exemplos acima dizem respeito apenas aos cargos mais altos nas organizações de cada Estado em questão, o que já é bastante importante e ilustrativo da força do processo de avanço da extrema direita neste século. Porém, o alcance da extrema direita na estrutura política mundial é ainda muito maior do que os casos mencionados ilustram, uma vez em que, também em escala global – embora capilarizada e em posições de menor relevância –, tal avanço se mostra presente na esfera pública e na arena política de forma abrangente.

A situação brasileira atual é um exemplo – mesmo que hoje o presidente do Brasil seja um político eleito a partir de uma frente de partidos de centro-esquerda, é importante notar que, em outras instâncias a situação é distinta. No Senado ou na Câmara dos Deputados, há uma presença massiva e bem contundente da extrema direita em atuação.

É importante perceber também que, fora da gestão pública, a força de partidos de extrema direita no mundo inteiro também não pode ser ignorada.

Esse pode ser o alarmante caso da Alemanha. Desde sua reunificação, o país tem sido preponderantemente governado por partidos de centro-direita e de centro-esquerda.

Acontece que nos dias que correm seu segundo partido político mais relevante em termos de adesão popular é justamente o partido de extrema direita Alternative für Deutschland (AfD) – Alternativa para Alemanha, em português –, uma organização partidária que é conhecida pelo uso irrestrito de referências, alusões e homenagens ao nazismo em suas plataformas, assim como por parte de suas principais lideranças.

Independente do contexto acionado, a tendência é que esse processo continue em expansão, ao menos nos próximos anos. É fundamental notar que esse novo quadro tem como possíveis consequências dois vetores complementares e ameaçadores. Em primeiro lugar, a ascensão da extrema direita ameaça o próprio funcionamento das democracias. Em segundo lugar, o crescimento desses grupos coloca em xeque direitos de minorias e acordos sociais e políticos há muito consolidados.

Nesse aspecto, é fundamental demarcar que o termo extrema direita é uma espécie de categoria guarda-chuva. Ou seja, é um termo que abriga várias conformações diferentes que são reunidas por suas semelhanças.

Essa é uma categoria política que tem muitas ressonâncias históricas e sociais. Por um lado, há vínculos de continuidade e ruptura com os fascismos históricos, supostamente derrotados no século XX. Por outro lado, há posições de extrema direita hoje que se relacionam não somente com regimes e governos, mas também com posicionamentos antipolítica e “contra o sistema”.

A possibilidade da “política”, propriamente dita, entendida como a existência de grupos com posicionamento diferentes em posição de igualdade no debate público, é o que anima as democracias. A recusa a esta possibilidade não apenas ameaça as regras do jogo democrático em seu interior, como, não raramente, faz evidentes acenos para ideologias e regimes autoritários.

Não por acaso, o político Jair Bolsonaro, por exemplo, refere-se de forma tão positiva e constante à ditadura civil militar que ocorreu no Brasil entre 1964 até 1985. Além da negação da política – frequentemente performada como algo antissistema – existem outros pontos igualmente perigosos que marcam as ideias e os grupos nomeados como de extrema direita. São eles: pulsões de xenofobia, racismo e preconceitos diversos contra grupos minoritários.

Com suas devidas diferenças, tais pulsões representam afetos não apenas de negação, mas de repúdio a um “outro” – que pode ser um “outro” diferente do sujeito referência, diferente do que é tido como a normas – sendo esse “diferente” não aceito por tais grupos, classificado desta forma por não ser do mesmo país, ou da mesma raça, ou por não possuir a mesma orientação sexual, apenas para citar alguns exemplos.

Aos sujeitos “outros”, na perspectiva hegemônica da extrema direita, fica não apenas a possibilidade de negação de direitos fornecidos pelo Estado democrático; mas, também, conforme já visto no passado, a negação de uma condição de cidadania plena, o que pode levar à desumanização de tais sujeitos e dos grupos aos quais estes são coligados. Em suma, a própria negação do outro como projeto.


*Michel Gherman, graduado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em Antropologia pela Hebrew University of Jerusalem e doutor em História pelo PPGHIS/UFRJ. Fez pós-doutorado em História Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro e no Ben Gurion Center for Israeli and Zionist Studies. Possui publicações nas áreas de História Contemporânea, História Política, Antropologia Política, estudos sobre Sionismo e Israel, conflito palestino-israelense e Oriente Médio e sobre a Extrema Direita e Judaismo no Brasil. Atualmente é professor do Departamento de Sociologia da UFRJ do Programa de Pós Graduação em História Social, onde coordena o Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos e o Extremos – Laboratório de Religião, Violência  e Política. É colaborador do Instituto Brasil Israel.

**Stephanie Assaf, arquiteta e urbanista pela EA – UFMG (2011); mestre em antropologia social pelo PPGAn – Fafich – UFMG (2016); especialista em política e planejamento urbano pelo IPPUR – UFRJ (2017) e doutora em planejamento urbano e regional pelo IPPUR – UFRJ (2017). Atualmente faz estágio pós-doutoral sob a supervisão do Prof. Dr. Michel Gherman no PPGHIS – IFCS – UFRJ (2024 – ), em que pesquisa os temas da cidade e das extremas direitas no século XXI, com ênfase no contexto brasileiro e no bolsonarismo, assim como nas questões relacionadas à linguagem, espaço e esfera pública. Tem experiência nas áreas de planejamento urbano, antropologia urbana e do estado e história urbana. Trabalha com temáticas da cidade e cultura, grandes projetos e intervenções urbanas, fascismos históricos e extremas-direitas na contemporaneidade.


Previous
Previous

Como a especulação fundiária impulsiona violações ambientais e de direitos humanos no Cerrado brasileiro

Next
Next

A legislação sobre aborto no Brasil e o impacto de projeto de lei na vida de meninas e mulheres negras