A transição Bolsonaro-Lula no Brasil de 2023
Carlos Melo é cientista político e professor do Insper. Este texto foi escrito por ele originalmente para a edição 48 do Boletim Informativo do WBO (Washington Brazil Office), publicada em 06 de janeiro de 2023. Assine e receba o Boletim semanal do WBO em inglês, preenchendo o formulário no rodapé do artigo.
O Brasil está retomando a normalidade de sua vida política e social. Isso é algo que vem acontecendo aos poucos, com momentos de maior ou menor tensão. Desde a eleição de 2014, na qual Dilma Rousseff foi reeleita para um segundo mandato presidencial, o país parecia ter se jogado num abismo. A recepção ao resultado daquela eleição – uma eleição que foi bastante disputada e agressiva – abriu espaço para todo tipo de contestação política, de contestação da lisura das urnas e da legitimidade da ordem democrática. Naquele momento, instalou-se no país um clima muito ruim. Houve uma redução gradativa do diálogo, provocada por desentendimentos entre os principais agentes políticos. O Brasil chegou, primeiro, ao impeachment da presidente eleita, Dilma Rousseff. E, depois, em 2018, à eleição de Jair Bolsonaro, num ponto em que já se dava uma franca deterioração das expectativas democráticas.
Passada toda a contestação inglória e despolitizada desses tempos, o governo Bolsonaro passará à história como um verdadeiro equívoco de proporções dramáticas. Verdade que isso não se deu apenas no Brasil. Em vários países, esse mesmo sentimento tende a caracterizar um tempo de governantes cuja pretensão principal tem sido a de se estabelecer como líderes autocratas. Em vários aspectos, esses foram tempos de retrocessos: importantes instituições foram sequestradas e o sistema de freios e contrapesos viveu momentos de abalo.
Foi um tempo de negação científica e institucional. Foi um tempo em que a República esteve em risco – ainda mais do que tem sido comum na história do Brasil –, pois o aparelhamento de espaços e de recursos públicos se deu de modo explícito. Nunca uma eleição brasileira sofreu tanta influência do poder político e econômico, da expansão de abusos de toda ordem: administrativa, financeira, religiosa e até militar.
Vencer a essa estrutura que por fim se estabeleceu – o governismo, o radicalismo, o sectarismo e a violência ali contidos – foi quase um milagre. Provavelmente, essa vitória só foi possível em virtude de dois fatores, nesta ordem de importância: 1) o antibolsonarismo, pois os erros de condução política, administrativa e social de Jair Bolsonaro foram tantos e tão profundos que, ao mesmo tempo em que crescia, produzia também o seu contrário, a sua contestação e a sua destruição; 2), depois, a força do carisma de Luiz Inácio Lula da Silva. Outro líder talvez não mobilizasse tantos elementos simbólicos quanto Lula foi capaz – mesmo que ele tenha cometido erros em vários momentos ao longo da campanha.
Logicamente, não se pode afirmar que esse momento e essas ameaças estejam definitivamente superadas. Bolsonaro deixa o poder com uma força significativa, mas bem menor que os 49,1% de votos que lhe foram dado nas urnas – pois esses votos mostram mais a força majoritária do antipetismo do que a força do bolsonarismo em si mesmo. Se estará apto e forte o suficiente para que possa voltar ao poder na próxima eleição, isso é algo que dependerá muito do sucesso ou do fracasso do próximo governo; dependerá ainda mais do quão profundas serão as revelações de erros e descaminhos do atual governo; do quanto Jair Bolsonaro será capaz de liderar a oposição sem contar com o abuso do poder econômico e político de que dispões nesses anos. É algo que o tempo dirá.