A violência como elemento das disputas presidenciais no Brasil e nos EUA

James N. Green, historiador, professor emérito de história e cultura brasileira na Universidade Brown, autor ou co-organizador de onze livros sobre o Brasil e presidente do Conselho Diretivo do WBO (Washington Brazil Office)  

Paulo Abrão, doutor em direito, foi secretário-executivo da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), secretário nacional de Justiça e presidente da Comissão de Anistia, além de secretário-executivo do Instituto de Direitos Humanos do Mercosul. É diretor-executivo do WBO.

Este artigo foi escrito para a edição 128 do boletim semanal do WBO, de 2 de agosto de 2024, e para o site da revista Carta Capital, onde foi publicado em 1º de agosto de 2024. Para ser um assinante do boletim do WBO, basta inserir seu e-mail no formulário que está no rodapé do artigo.



O atentado contra Donald Trump, ocorrido na cidade de Butler, no estado americano da Pensilvânia, no dia 13 de julho, chocou o mundo todo, mas teve um significado ainda mais chocante para os brasileiros. Incrédulos, os espectadores que acompanhavam a notícia ao vivo, no Brasil, não podiam evitar de pensar nos muitos paralelismos entre o que estava acontecendo naquele momento com o candidato à Presidência americana pelo Partido Republicano e o que havia acontecido em 6 de setembro de 2018, quando Jair Bolsonaro tomou uma facada na barriga durante um evento de campanha presidencial, na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais.

O primeiro e mais importante fato a destacar nesses dois eventos é o efeito nefasto e indesejado da violência política nos dois países. Em democracia, nenhum candidato presidencial deve temer por sua vida ao fazer campanha política, assim como nenhum político eleito deve temer por sua vida ao exercer seu mandato. Aliás, nenhum ativista, nenhum manifestante, nenhuma liderança sindical ou de movimentos e organizações da sociedade civil deve ser ameaçado, seja como for, pelo simples exercício de seu direito legítimo à livre expressão, à livre circulação, à associação e ao protesto. Quando o custo do protagonismo político passa a ser a própria vida, esse é um sinal de deterioração da democracia.

O fato de a violência assombrar duas das maiores democracias do mundo, em um espaço tão curto de tempo, é um sinal preocupante de deterioração do debate público. Esses sinais devem servir de alerta e advertência; não podem ser banalizados, ironizados ou reduzidos. Ambos casos têm de ser bem entendidos e analisados de maneira responsável e essa análise deve ensejar respostas estruturais que estejam à altura do problema – um problema que dá sinais de se avolumar com o passar do tempo.

Obviamente, Trump e Bolsonaro não fizeram por merecer os ataques que sofreram. Ambos foram vítimas de ações condenáveis em qualquer hipótese. Assim como, antes deles, a vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, e o motorista dela, Anderson Gomes, também foram vítimas da violência política, com um desfecho fatal infinitamente mais trágico, em março de 2018.

Nenhum desses episódios deve ser tomado, no entanto, como casos isolados, circunstanciais e desconectados de um contexto mais amplo. Ignorar os elementos complexos que criam condições para a violência política se estabelecer nessas sociedades é perder a oportunidade de refletir coletivamente sobre a qualidade do debate público e sobre o risco de que esse debate público descambe para as ameaças físicas, como têm acontecido de maneira preocupante no Brasil e nos EUA.

A linguagem empregada pelos atores políticos tem sido um convite à violência, e é preciso que todos os atores envolvidos nessa situação reflitam seriamente a respeito de seus discursos e de suas atitudes. A desumanização dos adversários aponta, no horizonte, para a desvalorização da vida. Quando adversários são tidos por inimigos, a política começa a se enveredar por um caminho perigoso. Quando, em comícios de campanha, candidatos usam as mãos e os dedos para simular armas disparando no ar ou quando tomam nas mãos tripés de câmeras de TV para simular fuzis com os quais metralham seus oponentes, não estão investindo, eles mesmos, numa linguagem que banaliza, incita e encoraja a violência?

Se olhamos em retrospectiva, não podemos concluir que a invasão do Capitólio, em Washington, no dia 6 de janeiro de 2021, e a destruição das sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no Brasil, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, também são parte desse contexto mais amplo, em que a violência é naturalizada? Esses atos, que seriam inimagináveis no passado, agora fazem parte não apenas do imaginário político da geração atual como também pairam como ameaças permanentes de contestação e de sublevação violenta contra os Poderes.

Os perpetradores dos atos de violência política devem ser sempre responsabilizados por seus atos, sem dúvida. Mas isso não será suficiente enquanto os líderes que promovem esse clima violento não refletirem sobre o tipo de comportamento que tem sido estimulado em suas campanhas eleitorais e nas relações reais e virtuais com seus seguidores. Sem uma autocrítica e um debate profundo a respeito do rumo de nossas democracias, não vai haver progresso real no que diz respeito à criação, ao desenvolvimento e à defesa de um espaço público plural e saudável, no qual a participação eleitoral não se torne tão custosa, a ponto de chegar a custar a própria vida de quem quer que seja.


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