Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, de quem estamos falando?

Benilda Brito é mulher negra, mãe, lésbica, de axé, quilombola e griot da Múcua Consultoria. Ayana Odara de Brito é mulher negra, gestora pública, pesquisadora de interseccionalidades e filha da Benilda Brito. Este artigo foi escrito para a edição 127 do boletim semanal do WBO, de 26 de julho de 2024. Para ser um assinante do boletim, basta inserir seu e-mail no formulário que está no rodapé do artigo.


Esse artigo é dedicado a Terezas, Donas Valdetes e Tias Mercês, Mulheres Pretas do mundo.

Entre as várias temáticas que temos em comum, o nosso primeiro artigo em conjunto fala sobre nós mesmas: mãe e filha, duas mulheres pretas de gerações diferentes. Sim! Tecemos aqui sobre afeto, ancestralidade e identidade.

Em 1992, mulheres negras latino-americanas e caribenhas se reuniram na Cidade de Santo Domingo, na República Dominicana, no 1º Encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas, para dar visibilidade aos racismos, violências e sexismo que não respeitam limites geográficos e assolam brutalmente a vida das mulheres pretas no mundo todo. Esse Encontro fez história e, ainda em 1992, a ONU (Organização das Nações Unidas) reconheceu o dia 25 de julho como o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A homenagem à época foi prestada à quilombola Tereza de Benguela, que liderou o Quilombo do Quariterê, no atual estado do Mato Grosso, com maestria, senso de justiça e estratégia, logo após a morte do marido dela. Ainda sentida pela ausência do amor, não permitiu que a dor a vencesse, e sua liderança inclusiva é reconhecida por toda a história.

No Brasil, a então presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.987/2014, que coloca essa data no calendário oficial brasileiro. E, desde 2016, a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte oficializou a data como o Dia Municipal da Mulher Negra ‘D. Valdete da Silva Cordeiro’ – nome que homenageia importante ativista social e política da cidade, que influenciou e ainda influencia a vida de milhares de belo-horizontinas. D. Valdete, de B. Alto Vera, periferia de Belo Horizonte, observava com preocupação como os racismos, violências e desigualdades sociais adoeciam cada vez mais as mulheres pretas de sua comunidade, aumentando o consumo de álcool e remédios depressivos. Lindamente, ela organizou várias rodas de conversas e optou pela corporeidade e a oralidade como cura. Criou o Grupo Meninas de Sinhá, onde as pretas de 50, 60, 70, 80 anos e mais dançam em ciranda com saias rodadas e cantam suas dores, vitórias e resistências. Ela faleceu em 2014, mas seu legado continua vivo e atuante.

Foi o cantor mineiro Milton Nascimento quem narrou o cotidiano do nosso quilombo, o Quilombo do Açude na Serra do Cipó, em Minas Gerais, na música “Casa Aberta”, em 2002. As palavras cantadas relembram a minha infância, lavando vasilhas e roupas no córrego, observando Vovó Benigna, Mamãe Zaira e minhas tias e primas. Lá, eu aprendi e vivenciei uma outra forma de organização política e social – a prática do bem viver, o feminismo negro, o cuidado coletivo através das plantas, comidas e festas. A vivacidade e as estratégias de sobrevivência das minhas mais velhas frente a todos os desafios impostos pelos racismos, machismos, escassezes, faziam das nossas infâncias verdadeiras práticas de amor. Com elas, aprendi o que sei hoje e vivo com outras mulheres e nossos filhos e filhas. O tambor tocado por Tia Mercês até hoje, matriarca do nosso Quilombo do Açude, ecoa denúncias de violações, pautas de reivindicações políticas históricas para nós, mulheres negras, mas também ritmos de visibilidade das mulheres negras nos espaços de debate político e de decisão, de cuidado, de afeto, de reescrita das narrativas e de construção de um projeto político de bem viver para as mulheres negras. 

“Na casa aberta
É noite de festa
Dançam Geralda, Helena, Flor
Na beira do rio
Escuto Ramiro
Dona Mercês toca tambor”

Apesar dos avanços, as mulheres negras ainda enfrentam desigualdades significativas em áreas como acesso à educação, mercado de trabalho, saúde e justiça social. A data serve como um chamado à ação para combater o racismo estrutural e promover políticas inclusivas que garantam igualdade de oportunidades.

Por isso, marchamos em 2015 e voltaremos em 2025, com 1 milhão de mulheres nas ruas. Ainda falta muito para o mundo aprender as estratégias das mulheres pretas, estratégia de liderança, para garantir espaços de amor e de vida. Gratidão às nossas ancestrais. Como é aprendido em nosso Quilombo: “Agulha puxa linha.”


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