Brasil numa encruzilhada: Exploração de petróleo na margem equatorial testa compromissos climáticos

Por Mariana de Araújo Castro*


Em junho de 2023, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) negou à Petrobras a licença para explorar petróleo na bacia da Foz do Amazonas, no que talvez tenha sido o primeiro conflito político interno do governo Lula III entre uma visão que opõe desenvolvimento econômico ao meio ambiente e outra que busca alinhar políticas públicas à emergência climática. Na última década, a crise climática tornou-se um tema incontestável, com crescente mobilização de governos e organizações. Em discursos recentes, Lula destacou a responsabilidade do Norte Global e a necessidade de implementar acordos climáticos. No plano interno, o governo lançou o "Plano de Transformação Ecológica" dentro do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), sugerindo uma postura mais responsável nessa área.

Entretanto, a controvérsia sobre o petróleo na Margem Equatorial levantou dúvidas sobre o compromisso ambiental do governo, refletindo o desafio de equilibrar desenvolvimento econômico e redução de desigualdades e um enfrentamento mais vigoroso às mudanças climáticas. A Margem Equatorial, que se estende do Rio Grande do Norte ao Amapá, concentra 65 blocos de exploração de petróleo concedidos a empresas, mas ainda sem produção. Essa exploração apresenta riscos ambientais elevados devido à força das correntes marítimas e à falta de estudos abrangentes sobre os riscos ambientais desse tipo de atividade na região. Um exemplo disso foi o fracasso de uma perfuração da Petrobras em 2011, que teve de ser abandonada.

A bacia da Foz do Amazonas destaca-se pela rica biodiversidade marinha e pela capacidade de captura de carbono e desempenha um papel crucial na mitigação climática. Atualmente, cerca de 41 blocos na Margem Equatorial foram concedidos, mas 20 estão suspensos devido a questões de licenciamento. A ANP (Agência Nacional do Petróleo) ainda mantém outros 81 blocos em "oferta permanente" e avalia conceder mais 382, dependendo de análises ambientais e da AAA (Avaliação Ambiental de Área Sedimentar). Essa avaliação é defendida pelo Ibama e pelo Ministério do Meio Ambiente como essencial para garantir um processo de licenciamento mais seguro e sustentável.

A exploração de petróleo nessa região também enfrenta desafios internacionais. As nações vizinhas Guiana Francesa e Suriname já avançaram na exploração, o que aumenta a pressão sobre o Brasil. Empresas como Petrobras e Shell lideram as concessões, argumentando que a exploração é crucial para a segurança energética nacional, especialmente diante do declínio esperado da produção no Pré-Sal após 2030.

A negativa do Ibama gerou reações diversas no governo. De um lado, a Petrobras e aliados argumentam que a exploração impulsionaria o desenvolvimento econômico das regiões Norte e Nordeste, gerando empregos e receita para financiar a transição energética. O então presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, destacou que a perfuração seria "a menos ofensiva" e necessária para estruturar uma economia de preservação da floresta. Por outro lado, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, opõe-se firmemente à expansão do uso de combustíveis fósseis, defendendo a priorização de alternativas sustentáveis. Sua postura enfrentou resistência pública, inclusive do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que classificou a decisão do Ibama como "inadmissível" e tratou o caso como uma questão burocrática. Sua estratégia incluiu recorrer à AGU (Advocacia-Geral da União) para contestar a decisão do IBAMA, enfatizando a soberania nacional e o caráter estratégico da exploração.

No entanto, a decisão do Ibama é sustentada por preocupações científicas e ambientais. Além dos riscos de vazamentos e danos irreparáveis à biodiversidade, há questionamentos sobre a viabilidade econômica da exploração na Margem Equatorial.

Especialistas apontam que priorizar combustíveis fósseis contradiz os compromissos climáticos internacionais do Brasil e ignora a urgência de reduzir emissões de carbono.

Em junho de 2024, Lula expressou publicamente seu apoio à exploração de petróleo, afirmando que "não dá para abrir mão de uma fonte de riqueza". Essa declaração gerou ampla repercussão, especialmente entre ambientalistas e movimentos sociais, que criticaram o governo por priorizar interesses econômicos em detrimento das metas climáticas assumidas pelo Brasil. No mesmo dia, a ANP anunciou a inclusão de novos blocos para exploração de petróleo em Roraima. Essa decisão foi interpretada por setores críticos como um movimento contraditório aos compromissos climáticos do presidente.

O desfecho desses conflitos será um indicativo crucial do rumo que o governo adotará em relação à governança ambiental e climática, bem como ao compromisso com um futuro habitável. Todas essas discussões ganham ainda mais relevância em 2025, quando o Brasil sediará a COP-30, com diversos movimentos e instituições da sociedade civil já se organizando para pressionar o governo por uma ação política mais contundente e também porque em junho deste ano vencem as atuais licenças para exploração do petróleo na Margem Equatorial. A área ambiental do governo segue defendendo a exclusão dessas e outras áreas, enquanto a ANP pretende renová-las.

O Brasil encontra-se em um momento decisivo, no qual escolhas feitas vão reverberar por décadas. Enquanto as promessas de um futuro sustentável são reiteradas em discursos oficiais, esses acontecimentos colocam em evidência as contradições de uma política que tenta conciliar crescimento econômico e preservação ambiental.  O caso da Margem Equatorial soma-se a outros desafios enfrentados pelo governo Lula na tentativa de equilibrar as forças internas em um contexto de mudanças climáticas.


*Mariana de Araújo Castro é doutoranda em Ciência Política pela IESP-UERJ, pesquisadora no Observatório Interdisciplinar das Mudanças Climáticas e no Laboratório de Análise Política Mundial da mesma universidade; e pesquisadora associada à ABO (Aliança Brazil Office).

Este artigo foi escrito para a edição 152 do boletim do WBO, de 31 de janeiro de 2025. Para ser assinante e receber gratuitamente, toda semana, notícias e análises como esta, basta inserir seu e-mail no campo indicado.


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