COP 30 no Brasil: uma oportunidade para levar adiante a agenda de justiça climática

Michelle Hallack tem mais de 15 anos de experiência no setor de energia, trabalhando para preencher a lacuna entre conhecimento de ponta e tomadores de decisão orientados para políticas. Foi professora de Economia da Universidade Federal Fluminense e assessora da Escola de Regulação de Florença (EUI). Recentemente, coordenou equipes de conhecimento e produtos para instituições multilaterais. Como consequência da pesquisa acadêmica e orientada para políticas, nos últimos 10 anos, Michelle foi co-autora de 29 artigos em periódicos revisados por pares. Ela também participou de 8 capítulos de livros, mais de 40 relatórios de MDBs e 30 papéis de trabalho. Seus interesses de pesquisa são apenas transição energética, finanças climáticas e justiça climática.


 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que as Nações Unidas escolheram o Brasil para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2025. A COP 30 está prevista para ser realizada na cidade de Belém, estado do Pará, no coração da floresta tropical brasileira, trazendo o foco para a região amazônica. Belém também é uma região metropolitana com a maior proporção de domicílios em favelas. Estima-se que mais de 50% dos domicílios estejam em áreas com pouca ou nenhuma infraestrutura básica (segundo o Wellness Urban Index, IBEU). A falta de infraestrutura domiciliar mínima está associada à pobreza urbana, insegurança, ocupação irregular do solo urbano e falta de infraestrutura sanitária. Portanto, segundo o IBEU, a possibilidade de inundações é o fator de risco ambiental urbano mais significativo nessa região.

A COP 30 em Belém pode ser vista como um símbolo da agenda de justiça climática, por se tratar de uma cidade no coração da Amazônia, uma das regiões essenciais para atingir nossas metas nesse setor. Belém é também uma cidade onde a maior parte da população vive em condições vulneráveis, o que evidencia que essa população é a que menos se beneficia das indústrias e tecnologias que causam as mudanças climáticas. Além disso, essa população é justamente a mais propensa a sofrer primeiro e a sofrer mais por causa das mudanças climáticas.

Essa é uma oportunidade notável para o Brasil liderar a diplomacia ambiental dos países em desenvolvimento. É também uma oportunidade de as organizações da sociedade civil fortalecerem a agenda de justiça climática. A COP30 é uma oportunidade para enfatizar a necessidade de justiça climática por meio da transformação democrática e trazer resultados concretos para a região amazônica e para todas as comunidades vulneráveis impactadas pelas mudanças climáticas e pelas restrições advindas das políticas relacionadas às mudanças climáticas na região. Além disso, a COP30 é uma oportunidade de dar o exemplo e mover a bússola em uma região que requer transformação urgente.

A justiça climática é um conceito amplo que enfatiza a necessidade de justiça e equidade na abordagem dos impactos das mudanças climáticas
— Michelle Hallack

A justiça climática não é uma nova agenda; durante a COP 27 no Egito, foi alcançado um acordo para estabelecer um mecanismo de financiamento para compensar nações vulneráveis por “perdas e danos” de desastres induzidos pelo clima. Este é um passo em direção à agenda de justiça climática. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer. Os recursos que fluem dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento estão abaixo da meta e muito abaixo da necessidade de transformação (ONU 2022). Além disso, na maioria dos casos, não existe um mecanismo preciso para garantir a alocação desses recursos para capacitar e responder às necessidades dos grupos mais vulneráveis nos países em desenvolvimento. Embora a atual corrida pela tecnologia limpa nos países desenvolvidos possa ajudar a acelerar a inovação limpa, ela pode prejudicar a equidade geral. A alocação de fundos climáticos geralmente combina os interesses industriais, econômicos e geopolíticos daqueles que possuem o recurso. Consequentemente, pode acabar se concentrando mais nos problemas e prioridades daqueles que possuem os recursos do que nos beneficiários e comunidades locais. E, em alguns casos, pode até dificultar as necessidades de desenvolvimento dos países beneficiários, das comunidades locais e dos países em desenvolvimento.

A justiça climática é um conceito amplo que enfatiza a necessidade de justiça e equidade na abordagem dos impactos das mudanças climáticas. Ele reconhece que as comunidades mais vulneráveis, particularmente aquelas nos países em desenvolvimento, muitas vezes carregam o fardo mais significativo da mudança climática, apesar de contribuírem menos para isso. O FMI mostra uma clara correlação entre os países com maior exposição e menor capacidade de adaptação.

Os efeitos e as políticas das mudanças climáticas modificarão a posição estratégica dos países e grupos econômicos (entre países e dentro dos países). A falta de uma estratégia ativa significará um realinhamento passivo e acelerará o desempoderamento dos mais afetados pelas mudanças climáticas. Ao contrário, a necessária realocação de recursos (financeiros, tecnológicos e culturais) pode ser uma oportunidade para diminuir as desigualdades. Nesse contexto, a importância da justiça climática vai além da equidade e da responsabilidade histórica; é importante para garantir os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e proteger a democracia.

A capacidade das democracias para enfrentar as mudanças climáticas dependerá de quão inclusivas são as políticas de mitigação e adaptação. Como qualquer outra política em um contexto democrático, essas políticas também requerem apoio político. Assim, as políticas de mudança do clima que não consideram o desenvolvimento socioeconômico terão dificuldades para serem implementadas. O esforço para implementar políticas sem inclusão pode se tornar um desafio para a democracia. A maioria das forças políticas antidemocráticas de direita está alinhada com os negadores da mudança climática. Seu discurso muitas vezes ganha adeptos da classe trabalhadora e grupos vulneráveis, argumentando como a política de mudança climática pode impactar negativamente seu bem-estar de curto prazo, por exemplo, aumentando os custos de combustível ou proibindo (ou aumentando os custos) algumas atividades econômicas. Nesse contexto, a perspectiva da justiça climática deve estar no centro de uma dinâmica positiva entre democracia e políticas de mudança climática.

A justiça climática e o fortalecimento da democracia também estão alinhados com a necessidade de empoderar os grupos mais vulneráveis afetados pelos efeitos e políticas das mudanças climáticas. A justiça climática enfatiza a importância de processos de tomada de decisão inclusivos local, regional, nacional e internacionalmente. As organizações da sociedade civil que representam mulheres, trabalhadores, povos indígenas, pessoas de cor, comunidades de linha de frente e grupos de baixa renda (entre outros grupos vulneráveis) devem ser empoderadas para promover a agenda de justiça climática enquanto aprofundam a democracia.

A COP 30 significa que o Brasil presidirá os procedimentos e as negociações; permite ao país anfitrião levar adiante o conceito de justiça climática, considerando as diferentes perspectivas sobre a vulnerabilidade. Isso permitirá a discussão considerando a política internacional, as demandas do Sul Global e enfatizará a colaboração regional (por exemplo, América do Sul). Também permitirá a discussão da justiça climática dentro do país e entre diferentes grupos-chave. No entanto, o aproveitamento dessa oportunidade depende da preparação do país nos próximos 18 meses. Assim, exigirá que o governo e as instituições governamentais estejam bem preparados interna e externamente. Exigirá também um enorme esforço das organizações da sociedade civil. Finalmente, exigirá diálogo em diferentes níveis, desde grupos locais até grupos internacionais, para garantir inclusão e diversidade nas discussões políticas e técnicas.


Previous
Previous

Brasil no Fórum Permanente da ONU sobre Afrodescendentes

Next
Next

Os retrocessos legislativos contra os povos indígenas e o meio ambiente