Direitos indígenas devem ser garantidos e não negociados

Por Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Este artigo foi escrito para a edição 95 do boletim semanal do WBO, de 8 de dezembro de 2023. Para ser um assinante do boletim, basta inserir seu e-mail no formulário abaixo.



A tese do Marco Temporal foi declarada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal) do Brasil em setembro de 2023, mas as ameaças contra os direitos fundamentais dos povos indígenas continuam. Isso porque, no mesmo dia em que a tese anti-indígena foi derrubada na Corte, o senador Hiran Gonçalves (Partido Progressistas) apresentou a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 48/2023 no Senado Federal. A proposta deve ser discutida na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania até o dia 30 de outubro.

Nomeada pelo movimento indígena como “PEC da Morte”, a proposta pretende alterar o Artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece o direito originário à ocupação dos nossos territórios, e inserir o Marco Temporal. O objetivo dos senadores é que os povos indígenas só tenham direito a reivindicar determinada terra caso já estivessem nela quando a Carta Magna foi promulgada, em 5 de outubro de 1988.

No ano passado, o Congresso Nacional aprovou e promulgou a Lei do Genocídio Indígena (Lei 14.701/2023), que transformou em lei o Marco Temporal e diversos crimes contra os povos indígenas, como a contestação de demarcações, além de permitir que invasões de Terras Indígenas possam ser consideradas de boa-fé. A aprovação é um claro reflexo da queda de braço entre os Poderes Legislativo e Judiciário do Brasil.

Agora, a Lei do Genocídio Indígena está sendo discutida em uma câmara de conciliação, criada pelo ministro do STF Gilmar Mendes. O ministro tem ignorado os pedidos do movimento indígena, feitos por meio da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), para que a lei seja suspensa.

Nós estivemos presentes na primeira audiência da câmara de conciliação, apontamos a insegurança que essa legislação nos coloca e reivindicamos a suspensão da lei, o que não foi acatado pela Corte até o momento. Reforçamos que não iremos negociar qualquer direito dos povos indígenas, mas sim defender que esses direitos sejam garantidos. Pedimos que os ministros do Supremo não voltem atrás do que já foi decidido pela Corte: a tese do Marco Temporal é inconstitucional.

Em paralelo a essa situação, os parlamentares do Congresso Nacional sabem que não podem alterar a Constituição por meio de um projeto de lei, e agora tentam aprovar a PEC 48/2023 para enraizar de vez o Marco Temporal no Brasil.

Para nós, povos indígenas, que somos os verdadeiros guardiões dos biomas brasileiros, essa proposta representa uma violência contra nossos corpos, territórios e direitos. A tese do Marco ignora as violências e perseguições que enfrentamos há mais de 500 anos, em especial durante a ditadura militar. Essas perseguições impossibilitaram que muitos povos estivessem em seus territórios em 1988, assim como hoje fazendeiros, garimpeiros e grileiros tentam nos expulsar e destruir nossas terras.

Do Norte ao Sul do Brasil, o Marco Temporal tem levado à morte nas Terras Indígenas, como estamos vendo com o povo Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, com os Tapeba no Ceará e os Pataxó na Bahia. Em 2023, os assassinatos de indígenas chegaram a 208 casos, representando um aumento de 15% em relação a 2022, isso sem contar outras violações decorrentes das invasões e explorações ilegais em nossos territórios.

Se aprovada, a PEC da Morte irá legitimar tudo isso. É preciso ressaltar que estamos falando de uma proposta de emenda inconstitucional, enquanto que os direitos fundamentais dos povos indígenas na Constituição Federal do Brasil são cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser revogados ou retrocedidos pelo Congresso Nacional.

A Apib reivindica que a PEC 48/2023 seja retirada do debate e arquivada imediatamente. Os direitos fundamentais dos povos indígenas devem ser garantidos e não negociados pelo Congresso, Supremo ou qualquer outra instância do Estado.

Por isso, resistimos com a força do cocar e das ancestralidades dos mais de 300 povos indígenas do país. Estamos mobilizando lideranças e organizações de base para ocupar Brasília, todas as capitais, territórios e redes sociais. Juristas, senadores e deputados aliados também estão se somando à luta, mas precisamos do apoio dos ministros do poder Executivo, do presidente Lula e de toda a opinião pública.

Exigimos que as Terras Indígenas sejam demarcadas e protegidas e que esta proposta inconstitucional seja arquivada e fique marcada na história como a PEC da Morte, do retrocesso e do agronegócio.


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