Grupo de Trabalho para Combate ao Discurso de Edio e ao Extremismo: Uma Epidemia de Nazismo? A nova gramática da extrema direita no Brasil

Michel Gherman é professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ufrj), onde coordena o Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos. Ele é pesquisador do Centro de Estudos de Sionismo e Israel da Universidade Ben Gurion do Negev, onde recentemente concluiu seu pós-doutoramento, e do Observatório da Extrema Direita. É doutor ainda em História pela Ufrj e mestre em Antropologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém, de onde foi professor convidado. Hoje Michel é membro do Grupo de Trabalho de Combate ao Discurso do Ódio e ao Extremismo do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania do Governo Brasileiro, é professor do Programa de Pós-graduação de História Social da Ufrj e pesquisador associado do WBO.


No dia 3 de julho de 2022, no auditório do Ministério da Cidadania e dos Direitos Humanos, acontecia o lançamento do relatório de Grupo de Trabalho para combate ao discurso de ódio e ao extremismo. Esse foi um processo que contou com a participação de intelectuais, membros da sociedade civil e lideranças políticas que durante seis meses produziram um documento com avaliação e prognósticos sobre o quadro de polarização e extremismo político encontrados na sociedade brasileira.

Liderados por Manuela D`Avila e Camilo Onoda Caldas o grupo se encontrava semanalmente para debates e discussões que visavam, sob orientação e inspiração do ministro Silvio Almeida, entender o que havia acontecido no Brasil nos anos de ascensão e fortalecimento de uma extrema direita que levaram a eleição de Jair Messias Bolsonaro, um obscuro e medíocre deputado federal, que também era capitão reformado do Exército.

Bolsonaro por muito tempo estivera presente no Parlamento, era uma espécie de animador extremista de auditório. Uma caricatura da política nacional. Incômodo e grosseiro, ele não chegava a ser tratado como ameaça pelo centro político brasileiro. Entretanto, o fato é que em 2018 ele foi eleito produzindo níveis inéditos de erosão democrática, chagando a ponto, segundo as palavras do juiz aposentado do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandovski de  colocar o Brasil na rota de uma “efetiva ameaça de ruptura”.

A crise democrática brasileira não começava com a eleição do capitão e não terminava com sua derrota
— Michel Gherman

Apesar de Bolsonaro, o relatório mostra que a crise democrática brasileira não começava com a eleição do capitão e não terminava com sua derrota. O espírito de uma extrema direita, violenta e antidemocrática, já animava a politica nacional nos anos anteriores a eleição do capitão e mantinha-se ativo depois da sua derrocada eleitoral em 2022. O bolsonarismo continuava a existir depois de Bolsonaro perder as eleições e tornar-se inelegível.

Um dos exemplos disso, trazido pelo ministro Silvio Almeida em sua fala evento de lançamento do Relatório do Grupo de Trabalho para Combate ao Discurso de Ódio e ao Extremismo, foi o discurso do Pastor André Valadão em um culto da Igreja Lagoinha na cidade de Orlando nos EUA. Em fala entusiasmada e emocionada, o pastor define que na impossibilidade de Deus “matar” homossexuais e “começar tudo do zero”, deveriam ser os fiéis os que tomariam essa incumbência: “Agora tá com vocês. Vou repetir, agora tá com vocês”, inferindo que eles é quem deveriam efetivamente assassinar membros da comunidade LGBTQIA+.

O discurso conspiracionista e exterminador não é novo e chama atenção por manter-se depois de que Bolsonaro, useiro e vezeiro nessas falas, deixar o poder.

Importante que o ministro tenha ilustrado a tarefa do GT colocando um caso como esse na abertura do evento. A tarefa atual é urgente ainda hoje.

Chama atenção também que atrás do pastor em questão, no palco da igreja, estão rostos de lideranças mundiais de extrema direita junto de um mapa de Israel coberto com a bandeira desse país. O que também não é novo em termos de atuação da extrema direita brasileira.

Em abril de 2017, no interior de um Clube Judaico, a Hebraica do Rio de Janeiro, então pré-candidato a presidente da república faz uma palestra. Na plateia, o público aplaude suas falas e reage entusiasmado ao que ele diz. Do lado de fora, um protesto o acusa de nazista. Dentro e fora, do bem e do mal, nós e eles, inimigos e aliados, o que acontecia na Hebraica do Rio de Janeiro era uma metáfora do que aconteceria no Brasil. Em vários grupos, o bolsonarismo produziria uma divisão pungente. Seria preciso, seguindo uma nova gramática política, produzir um “Brasil dos homens de bem”, que finalmente combateria o Brasil da degeneração moral.

Na Hebraica, naquela noite, Bolsonaro fundava um projeto de extrema direita. Simbólico que isso tivesse ocorrido em um clube frequentado por vítimas históricas do nazismo. Simbólico e estratégico. Ali, Bolsonaro utilizou uma “gramática antissemita” para atacar indígenas e quilombolas, uma percepção conspiracionista para elogiar o mundo que ele imaginava ser possível.

Quando o relatório fala em uma “epidemia de nazismo” devemos olhar para 2017 para entendermos como foi possível que um candidato francamente vinculado a extrema direita alcançasse o maior cargo da República.

O que aconteceu na Hebraica naquela noite foi mais do que uma simples palestra. Ali, Bolsonaro deixava de ser um candidato “galhofeiro e grosseirão” e fundava um projeto de extrema direita. Simbólico que isso tivesse ocorrido em um clube frequentado pelas maiores vítimas históricas do nazismo. Também era simbólico que o palestrante tivesse em seu currículo diversas falas elogiosas ao nazismo e a Hitler. Ademais, que tivesse citado, mesmo nos últimos anos, autores e obras do negacionismo do Holocausto.

Uma das funções do relatório ora lançado pelo ministério da cidadania e Direitos Humanos é estabelecer suas origens antes das eleições de 2018 e combater a epidemia de neonazismo que atinge o Brasil depois que ele deixa o poder. Para isso é necessário entender suas estratégias e seus símbolos.


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