Junho de 2013: refletindo sobre os protestos de junho uma década depois

David Nemer é Professor Assistente no Departamento de Estudos de Mídia e Professor Associado no Departamento de Antropologia da Universidade da Virgínia. Suas áreas de pesquisa são o uso de tecnologia em regiões marginalizadas, como as favelas do Brasil e Havana, Cuba, e estudos de desinformação. Este artigo foi escrito por ele para a edição 73 do boletim semanal do WBO, de 30 de junho de 2023. Para assinar o boletim, basta inserir seu email no formulário no rodapé do artigo.


Em junho de 2013, o Brasil foi atingido pela maior série de protestos em mais de duas décadas. Essa onda de protestos, conhecida como Jornadas de junho, levou mais de dois milhões de pessoas às ruas em mais de 400 cidades. Os protestos iniciais aconteceram no início de junho na cidade de São Paulo, mas se espalharam ao longo do ano atingindo o ápice em outubro. Estudiosos caracterizam as Jornadas de Junho como a primeira revolta popular de proporções verdadeiramente nacionais no país. No entanto, dadas suas complexidades, os analistas ainda estão tentando entender os resultados e consequências de tais movimentos sociais.

Alguns argumentam que junho de 2013 foi o ovo da serpente que originou o bolsonarismo, o movimento de extrema-direita liderado por Jair Bolsonaro. Outros acreditam que foi o passo inicial que levou ao impeachment de Dilma Rousseff. Além disso, os protestos forneceram um terreno fértil para o surgimento de várias formas de mídia, incluindo veículos feministas, jornalistas negros, sites investigativos e coletivos especializados em protestos transmitidos ao vivo, como a Mídia Ninja. No entanto, após 10 anos, ainda não há consenso sobre o resultado final de junho de 2013 – e é improvável que algum dia haja. A razão está na natureza heterogênea do movimento, que teve diferentes significados para diversos indivíduos em vários locais e etapas. Ele simplesmente não pode ser classificado em uma única categoria.

Durante as Jornadas de Junho, assistimos a vozes conservadoras pedindo o impeachment de Dilma e até um golpe militar, embora não de forma tão contundente e explícita como veríamos nos anos subsequentes, a partir de 2014. Ao mesmo tempo, grupos progressistas e de esquerda também assumiram as ruas, protestando legitimamente contra questões como aumento das tarifas de ônibus, transporte "público" privatizado, assistência médica inadequada, segurança pública deficiente e deterioração da educação pública. Esses grupos desempenharam um papel significativo na promoção e enriquecimento das experiências dos movimentos de defesa dos direitos dos negros, comunidade LGBTQIA+, feministas e estudantes.

Junho de 2013 destacou a importância das mídias sociais para facilitar a organização dos movimentos sociais. Desde então, os brasileiros têm se voltado cada vez mais para plataformas como Facebook, Twitter e WhatsApp para se envolver em discussões políticas e coordenar protestos.
— David Nemer

No entanto, apesar de sua heterogeneidade, junho de 2013 nos fornece duas lições abrangentes sobre os eventos que se desenrolaram. Primeiro, destacou a importância das mídias sociais para facilitar a organização dos movimentos sociais. Desde então, os brasileiros têm se voltado cada vez mais para plataformas como Facebook, Twitter e WhatsApp para se envolver em discussões políticas e coordenar protestos. Após o desempenho decepcionante do Brasil na Copa do Mundo de 2014, a aproximação das eleições presidenciais gerou novas motivações para as pessoas saírem às ruas e utilizarem plataformas de mídia social. O tom dos protestos foi dado em grande parte por postagens no Twitter e no Facebook, que focaram em temas como a recessão brasileira, a Operação Lava Jato e o governo de Dilma Rousseff. Esse legado ainda é evidente em protestos recentes, incluindo as manifestações antifascistas em 2020, bem como os protestos antidemocráticos de bolsonaristas durante o mandato de Bolsonaro.

Em segundo lugar, apesar das vitórias dos movimentos de esquerda e progressistas, eles deveriam ter se organizado e elaborado estratégias de forma mais eficaz para manter uma presença duradoura tanto nas ruas quanto online. Em vez disso, foram os chamados grupos da "nova direita" que conseguiram capitalizar essas oportunidades de forma mais eficaz. Nos anos seguintes, grupos conservadores prosperaram e ocuparam espaços físicos e digitais, como Movimento Brasil Livre (MBL), Revoltados Online e Vem Pra Rua. Eles ganharam fama reunindo adolescentes e jovens adultos em plataformas de mídia social como YouTube e Facebook. Embora afirmassem ser apartidários, ficaram conhecidos como a "nova direita" por defenderem os valores neoliberais alinhados com os partidos tradicionais de direita. Seu apartidarismo era questionável, já que seu conteúdo nas redes sociais criticava principalmente a esquerda, incluindo Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores (PT), e propagava campanhas de desinformação contra ideologias progressistas. Os organizadores desses grupos aproveitaram a falta de liderança e as divisões partidárias durante os protestos de 2013 para sequestrar o movimento e direcioná-lo para valores conservadores e neoliberais. A narrativa de corrupção antissistêmica de 2013 gradualmente se transformou em uma agenda moralizadora. Por exemplo, ativistas conservadores acusaram o PT de promover a ideologia de gênero nas escolas. Essa reação neoconservadora visava apropriar-se dos símbolos e nomes associados aos protestos de junho como sua própria propaganda. Por exemplo, o Movimento Brasil Livre fez referência ao Movimento Passe Livre e seu slogan, muitas vezes usado como hashtag, "Vem Para Rua".

Ao longo de 2015 e 2016, esses grupos da "nova direita" aproveitaram a percepção das crises econômicas e políticas para expandir sua influência no Facebook e fomentar um ambiente insustentável de raiva e descontentamento com o governo federal. Eles desempenharam um papel fundamental na organização do maior protesto da história do Brasil, com mais de três milhões de pessoas nas ruas em 13 de março de 2016. Em última análise, esses grupos emergiram como uma voz organizada e unificada nas ruas e online, defendendo o impeachment de Dilma e abrindo caminho para a eleição de Bolsonaro.

Há muito a aprender e analisar sobre as jornadas de junho, e talvez demore mais 10 anos para compreender totalmente seu impacto. Uma coisa é certa: se aspiramos a manter o Brasil no caminho progressivo rumo a uma sociedade mais igualitária e justa, devemos reconhecer que isso requer um engajamento permanente e ativo. Não podemos abdicar da nossa presença em vários espaços que nos permitem dar voz às nossas reivindicações.

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