Jornalismo, Tecnologia e Democracia: desafios e caminhos para um ecossistema sustentável
Foto de Luana Tayze
Por Maia Fortes*
Em um cenário de avanço acelerado das tecnologias da informação, o ecossistema jornalístico encontra-se diante de um dilema: embora esse ambiente tenha ampliado a pluralidade de vozes, diversificado formatos, possibilitado mais inovação e promovido maior interação e proximidade com o público, torna-se cada vez mais urgente assegurar a integridade da informação. Garantir que a evolução tecnológica sirva ao interesse público e à democracia é uma tarefa indispensável para o futuro do jornalismo e da sociedade.
A Ajor (Associação de Jornalismo Digital) é fruto justamente desse contexto dinâmico e desafiador. O aumento das iniciativas jornalísticas independentes e nativas digitais demandou a criação de uma organização que representasse e defendesse seus interesses. Atualmente, a Ajor congrega mais de 150 organizações de jornalismo, espalhadas em todas as regiões geográficas do Brasil. Essa diversidade territorial e editorial é um dos nossos maiores patrimônios — não apenas pelo alcance geográfico e de audiência, mas sobretudo por incorporar múltiplas abordagens jornalísticas, essenciais para manter a prática viva, inovadora e alinhada às necessidades do público e da sociedade. Acreditamos que o jornalismo do presente e do futuro se alicerça na diversidade, colaboração e compromisso com o interesse público.
Esse vínculo com as audiências e o compromisso com o interesse público são fundamentais para enfrentar uma crise estrutural que atinge o jornalismo tradicional – agravada, em parte, pela ascensão de novas tecnologias, entre elas a Inteligência Artificial. No Brasil, assim como em outros países do mundo, a concentração de mídia e a resistência à regulação do setor, entre outros fatores, resultaram em uma perda de confiança no jornalismo, que não é visto como bem público. Temos um longo caminho para reafirmá-lo como essencial para o combate à desinformação, fortalecendo não apenas quem o produz, mas também instrumentos de educação midiática, alinhadas a ações de defesa da democracia.
Nesse sentido, A Ajor recentemente promoveu, em parceria com a Momentum: Journalism and Tech Task Force e o IFPIM (International Fund for Public Interest Media), com apoio da Luminate, a Conferência CTRL+J LATAM. A Conferência CTRL+J LATAM faz parte de uma série de encontros em diferentes regiões do hemisfério sul com o objetivo de compartilhar as respostas e estratégias desenvolvidas por países da América Latina para enfrentar as assimetrias e as pressões impostas pelas transformações tecnológicas ao jornalismo do Sul Global – o que afeta diretamente a viabilidade e independência jornalística.
Organizar esse evento evidenciou a necessidade de o jornalismo adotar uma postura ativa e vigilante na discussão sobre a transparência e a responsabilidade de empresas e governos no uso ético da tecnologia. Mais do que adaptar-se às mudanças, é crucial que o jornalismo exerça influência nesse debate, assim, a responsabilidade social do jornalismo ganha novo fôlego, em duas direções complementares: ao mesmo tempo em que a tecnologia pode influenciar sua própria estrutura, é fundamental que sua prática seja feita com independência para pautar esse tema. Essa via de mão dupla abarca o poder, mas também a vulnerabilidade da produção jornalística na atualidade.
Esse contexto reforça a necessidade de uma transformação estrutural no setor. O jornalismo precisa não só aproveitar as oportunidades tecnológicas para inovar e atuar para retomar a confiança do público, mas também repensar seus modelos de negócio. A atual estrutura, muitas vezes impulsionada por algoritmos que priorizam a viralização em detrimento da qualidade, compromete a sustentabilidade da atividade jornalística. Superar esse desafio requer investimento de tempo, recursos e uma mudança de mentalidade — elementos cada vez mais escassos, mas imprescindíveis para garantir a continuidade da produção de informação de qualidade.
A atuação da Ajor, portanto, se apoia em dois eixos: fomentar espaços de reflexões e construção coletiva de estratégias, e fortalecer a formulação de políticas públicas e privadas que viabilizem tanto o acesso e o desenvolvimento de tecnologias, quanto a produção de informação de interesse público. Esse compromisso envolve aproximar o jornalismo da sociedade e promover articulações com outros setores fundamentais, como educação e cultura, igualmente reconhecidos como bens públicos. Essa aproximação também envolve a produção de análises, pesquisas e conhecimento aplicado, fundamentais para embasar um framework consistente de fomento ao jornalismo, alinhado às necessidades do setor e às dinâmicas do ecossistema informacional.
O recente envolvimento da Ajor nos debates sobre Inteligência Artificial e integridade da informação — temas que ganharam destaque na cúpula do G20 no Brasil — bem como a aprovação do Projeto de Lei 2338 no Senado Federal, reforçam nossa convicção de que é fundamental articular o jornalismo com outros atores estratégicos no debate da produção de informação. Sentar-se à mesa com artistas, autores, cientistas, criadores de conteúdo e outros profissionais é essencial para defender um ecossistema informacional mais saudável e sustentável.
Além disso, a interseção entre informação e tecnologia ressalta um aspecto fundamental para as sociedades contemporâneas: a necessidade de garantir ambientes de debate cada vez mais democráticos, nos quais possam florescer diálogos produtivos, baseados no respeito à pluralidade de ideias e à diversidade de perspectivas. Este é o pano de fundo que orienta nossa atuação diária, direcionando nossas ações para fortalecer o jornalismo como um bem público essencial para enfrentar os desafios do presente.
*Maia Fortes é diretora-executiva da Ajor, cientista social e gestora com mais de uma década de experiência em projetos, produtos e operações em organizações jornalísticas.
Este artigo foi escrito para a edição 159 do boletim do WBO, de 28 de março de 2025. Para ser assinante e receber gratuitamente, toda semana, notícias e análises como esta, basta inserir seu e-mail no campo indicado.