A crise climática, o potencial socioambiental no Brasil e o papel do WBO
Juliana de Moraes Pinheiro é coordenadora do Programa Socioambiental e de Transição Justa do WBO. Este artigo para a edição 99 do boletim semanal do WBO, de 12 de janeiro de 2023. Para ser um assinante do boletim, basta inserir seu e-mail no formulário abaixo.
O Washington Brazil Office cresceu significativamente nos últimos anos. Olhando para suas origens, desde o movimento de base liderado por brasileiras em Washington, ainda em 2016, a organização cumpre uma trajetória de evolução e de consolidação, marcada pela missão de ser uma instituição independente e especializada na compreensão do Brasil. Sua dedicação está em apoiar ações que fortaleçam o papel da sociedade civil e das instituições comprometidas com a promoção e com a defesa da democracia, direitos humanos, liberdades, além do desenvolvimento socioeconômico e socioambiental do país. Ao analisar em retrospectiva, a formação do WBO e a concretização de sua carta de serviços foram predominantemente impulsionadas por questões relacionadas aos retrocessos socioambientais nesse período.
Na trajetória desses anos, o WBO cumpriu majoritariamente um papel de contenção. A organização agiu, muitas vezes, sob demanda, respondendo às necessidades mais urgentes advindas da sociedade civil brasileira, especialmente as organizações afiliadas ao WBO. As questões relacionadas à violações socioambientais foram muito frequentes nesse período. Dois pontos exemplificam essa frequência: primeiro quando consideramos que, de 2012 a 2022, 20% dos assassinatos de defensoras e defensores do meio ambiente ocorreram no Brasil. Segundo, quando consideramos o aumento recorde de desmatamento ilegal atingido especialmente entre 2019 e 2022.
Visando intensificar algumas ações prévias de defesa dos Povos Indígenas e de seus territórios, foi organizado um encontro entre as líderes indígenas, e então deputadas, Joenia Wapichana (Brasil) e Debbie Haaland (EUA) em 2020. Esse encontro solidificou o compromisso da deputada estadounidense com os Povos Indígenas do Brasil, e da América Latina, passando a liderar diversas cartas, emendas e outros fatos políticos dentro desse contexto. Exemplo disso foi o trabalho de advocacy do WBO junto ao gabinete de Haaland sobre o Projeto de Lei 2633/20, mais conhecido como o PL da Grilagem que, se somando a outros esforços, retardou a aprovação deste mesmo projeto.
Ainda em 2020, as articulações do WBO conectaram advogados da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) com as mais renomadas advogadas de litigância do país e, assim, formou-se uma clínica para o desenvolvimento de uma comunicação para protocolar denúncia sobre os crimes contra a humanidade praticados pelo governo Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional (TPI), submetido em 2021.
Já em 2021, o WBO participou de diversas reuniões periódicas entre organizações ambientais no Brasil e nos EUA para tratar do avanço do desmatamento na Amazônia. Essas reuniões resultaram na elaboração de uma solicitação de reunião entre a então coordenadora-geral da APIB, a ministra Sônia Guajajara (Brasil) e o enviado especial pelo clima, John Kerry (EUA). Além disso, elas também resultaram em um evento virtual com Sônia e especialistas do Observatório do Clima e do Greenpeace Global, e na participação do WBO na força tarefa junto à OECD-Watch sobre a possível entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Múltiplas incidências exitosas em relação ao acordo de expansão da Base Espacial de Alcântara, firmado por Bolsonaro e por Trump em 2019, e a defesa aos Povos Quilombolas de Alcântara (Maranhão) foram levadas adiante. O resultado dessas incidências, realizadas entre 2019 e 2021, é a aprovação de uma emenda orçamentária do Congresso dos EUA para 2022 atestando que a verba do Congresso não poderia ser destinada para a remoção de mais de 800 famílias quilombolas de seus territórios constitucionalmente protegidos. Em suma, essas e outras frentes de atuação formam as bases para a continuidade da contribuição do WBO para com o potencial socioambiental existente no Brasil e sua importância geopolítica na crise climática.
O planejamento e a elaboração de futuros projetos pensados e desenvolvidos em 2023, demonstra complementariedade: o WBO segue cumprindo com o papel de contenção, mas dada a conjuntura, passa a agir também de maneira mais direcionada e proativa. Primeiro, a chegada de fellows – como são chamados os pesquisadores associados à organização –, permite pensar em projetos mais ambiciosos. Segundo, dada a relação com membros do Conselho Diretivo e representantes das organizações afiliadas ao WBO, a idealização de alguns desses projetos passou a ser mais amplamente discutida. E, terceiro, com a legitimidade conquistada, a organização veio a ter reconhecimento de novos parlamentares brasileiros e a idealizar colaborações promissoras junto à sociedade civil.
A questão da justiça climática permanece central para o WBO. O planejamento de nossas atividades para este ano deriva dos três pontos mencionados anteriormente e embarca nas oportunidades na nova conjuntura. Em primeiro lugar, estamos dedicando esforços à discussão de atividades voltadas para uma transição energética e ecológica justa no país. Ao questionar a quem essa transição pode beneficiar, especialmente pensando em trabalhadores e trabalhadoras, planejamos organizar espaços de trocas de conhecimento entre diversos grupos relevantes, tanto dentro quanto fora do país, mirando experiências na Europa e nos EUA. Além disso, diante do avanço brasileiro na regulação e implementação da captação de créditos de carbono questionamos, em colaboração com fellows e membros do conselho, a preservação da territorialidade indígena.
Em segundo lugar, os desafios enfrentados pelas ONGs brasileiras na defesa do meio ambiente persistem. O WBO atua como um espaço internacional para ativistas brasileiros, proporcionando voz e contribuindo para diversas causas de maneira colaborativa. Buscamos ampliar essa atuação neste ano. Em terceiro lugar, considerando a importância dos seis biomas brasileiros, após anos de envolvimento com a Amazônia, o WBO expande suas atividades para o Cerrado, que desempenha um papel crucial como um cordão de proteção para a Amazônia. Dada a crescente ameaça à sua biodiversidade e às águas que abastecem todo o país, o WBO está engajado nos âmbitos parlamentar e da sociedade civil para defender o Cerrado.
Finalmente, atrelada à defesa socioambiental, está a defesa democrática no qual o WBO tem sua origem no início de 2016. Ao longo dos anos, a atuação eficaz da organização na contenção de danos – abrangendo desde a defesa dos Povos Indígenas e Quilombolas até a participação em iniciativas de combate ao desmatamento – demonstra um compromisso sólido com a justiça climática.
Olhando para o futuro, as iniciativas planejadas refletem não apenas a continuidade desse trabalho, mas também sua evolução para uma abordagem mais proativa e colaborativa. Assim, o WBO se posiciona como uma peça fundamental, conectando diversos atores brasileiros e internacionais, e expandindo o conhecimento sobre o fato de que a crise climática global encontra no Brasil, as oportunidades e soluções de mitigação necessárias.
O Brasil, por outro lado, encontra na crise a oportunidade de implementar novos métodos de desenvolvimento socioeconômico que tragam para o processo de decisão a importância e conhecimento dos Povos Tradicionais, da biodiversidade inigualável de seus biomas, além da força e das necessidades da classe trabalhadora e também da parcela da população historicamente marginalizada.