A ação do WBO como aliado na luta antirracista

Sami Sternberg é mestre em Relações Internacionais pela Columbia University e Coordenador de Relações Institucionais do WBO (Washington Brazil Office). Este artigo foi escrito para a edição 98 do boletim semanal do WBO, distribuído no dia 22 de dezembro de 2023. Para assinar e receber o boletim gratuitamente, basta inserir seu e-mail no formulário que está no rodapé do artigo.   


A decisão do WBO (Washington Brazil Office) de ser uma organização aliada na luta antirracista e considerar essa agenda prioritária não é coincidência. A história e a construção do Brasil são marcadas pelo atroz processo de escravização de pessoas negras trazidas do continente africano durante os períodos de colonização e do império, cujas marcas profundas se apresentam até hoje.

Mesmo com o papel central da resistência da população negra na luta por sua liberdade e por garantia de direitos, o Estado brasileiro e sua sociedade consolidaram uma estrutura que discrimina, oprime e impede o pleno exercício de direitos desse grupo que representa 56% da população brasileira e é classificado – equivocadamente – como minoria. Isso se reflete em todos os marcadores sobre a realidade da população negra no Brasil, tais como a violência (80% das vítimas de homicídio), encarceramento (68.2% da população carcerária), intolerância religiosa (aumento expressivo nos casos contra religiões de matriz africana), desigualdade econômica (salários 50% menores), dentre muitos outros.

O WBO carrega, desde sua criação, a desafiadora missão de apoiar o trabalho internacional da sociedade civil brasileira, em sua pluralidade de agendas. Das diversas iniciativas realizadas durante o ano de 2023, o assessoramento aos movimentos negros brasileiros na esfera internacional se destacou pelo intenso calendário de atividades, além de ilustrar de maneira nítida como estabelecemos nosso apoio a organizações brasileiras.

Não se discute igualdade de direitos no Brasil sem discutir justiça racial. Por isso, em resposta à provocação das organizações negras afiliadas, o WBO elencou essa agenda como o primeiro e principal foco na implementação de suas atividades programáticas. Assim, no final de 2022, o WBO constituiu um Grupo de Trabalho ao lado de mais de 10 organizações dos movimentos negros brasileiros (hoje já são 16). O GT nasce com o objetivo de promover a convergência de diálogos e estratégias dos movimentos, esperando: a) aumentar o impacto da incidência da sociedade civil em espaços internacionais; e b) expandir os horizontes dessa atuação internacional. O fio condutor para que esse processo possa funcionar é o protagonismo das vozes e dos interesses dos movimentos, que desenham e lideram a execução do plano de trabalho do GT. O WBO replica essa metodologia de trabalho baseada em escuta ativa e construção coletiva através em todas as suas áreas temáticas.

No Grupo de Trabalho sobre Justiça Racial, as organizações dos movimentos negros escolheram três frentes de incidência para o ano de 2023. A primeira foi a retomada do JAPER, o Plano de Ação Conjunta Brasil-Estados Unidos para a Eliminação do Racismo, que havia sido assinado em 2008 e abandonado em 2011. Os movimentos negros delimitaram o objetivo de garantir uma retomada do acordo que incluísse a participação da sociedade civil no seu desenho e implementação. O WBO atuou no assessoramento técnico do grupo durante as reuniões e na sistematização de cartas e outros produtos de incidência elaborados pelos movimentos negros, além de apoiar a articulação política dentro do Departamento de Estado dos EUA. Após um ano, as organizações conquistaram espaço na mesa de negociações do acordo e tiveram seu coletivo reconhecido pelo governo do Brasil enquanto interlocutor social da agenda do JAPER.

O grupo também incidiu junto à CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Com a piora expressiva da situação dos direitos da população negra brasileira durante o governo Bolsonaro, os movimentos buscaram estabelecer uma ponte com relatorias temáticas da Comissão para expor os desafios que se apresentavam, além de pedir por uma visita ao Brasil. O WBO facilitou essa conexão junto a duas Relatoras Especiais (Direitos das Pessoas Afrodescendentes e Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), cujas reuniões culminaram na visita da então Relatora Especial DESCA, Soledad García Muñoz, ao Brasil. Essa iniciativa, vinda dos movimentos negros, trouxe um ganho para toda a sociedade civil brasileira, já que o comunicado de imprensa expedido pela REDESCA mostrou um amplo retrato de devastação dos direitos humanos no Brasil, com centralidade na discriminação racial.

A terceira frente de atuação articulada dos movimentos foi junto à ONU - Organização das Nações Unidas. O GT realizou um evento às margens da 67ª Sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher sobre a contribuição dos movimentos de mulheres negras do Brasil para a luta antirracista global; elaborou uma carta conjunta de posicionamento por uma agenda de reparações sob uma perspectiva afro-brasileira durante a 2ª sessão do Fórum Permanente de Afrodescendentes; incidiu sobre o tema do racismo ambiental durante as reuniões da Assembleia Geral das Nações Unidas; e participou da 3ª edição do fórum global contra o racismo e discriminação promovido pela UNESCO.

Essa rica construção mostra que atuar em aliança com a sociedade civil brasileira demanda muito mais do que a mobilização de uma equipe altamente capacitada. É preciso atuar com transparência, ética e respeito às organizações e movimentos que, há décadas, protagonizam e dão – por vezes literalmente – o sangue e a vida na busca por um país mais justo, menos violento e mais igual.

Para o próximo ano, o WBO seguirá firme na sua atuação institucional, com consciência de seu espaço na luta e confiante de que a construção coletiva poderá trazer avanços significativos na luta por direitos e igualdade.


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