O novo governo Lula conseguirá restaurar e fortalecer os direitos trabalhistas e sindicais no Brasil?

Stanley Gacek é advogado sindical norte-americano, membro da Ordem dos Advogados do Distrito de Columbia (Washington, D.C.) desde 1979, e foi o Diretor Adjunto e Oficial a Cargo da Missão da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, de 2011 a 2016. Ele assistiu a posse do Presidente Lula no primeiro de janeiro, 2023 como convidado internacional oficial, e também a posse do Ministro do Trabalho Luiz Marinho no dia 03 de janeiro. Este artigo foi escrito por ele para a edição 57 do boletim semanal do WBO, de 10 de março de 2023.


Dada a história pessoal de Luiz Inácio Lula da Silva como metalúrgico e líder sindical reconhecido mundialmente, dedicado à causa do empoderamento do trabalhador, bem como ao avanço da democracia brasileira em geral, não há dúvida de que os direitos trabalhistas e sindicais serão uma parte crítica da agenda de seu terceiro mandato como presidente do país. Em seu discurso de posse perante o Congresso Brasileiro em 1º de janeiro de 2023, ele mencionou a necessidade de uma nova legislação trabalhista, sugerindo pelo menos uma revisão parcial da reforma radicalmente neoliberal de 2017 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Congresso Brasileiro durante o governo Temer, e aplicada com uma vingança antitrabalhista e antissindical durante o regime de Bolsonaro. A CLT original havia sido promulgada pelo presidente Vargas oito décadas antes.

O que significará na prática a política trabalhista de Lula? O discurso de posse do novo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, proferido em 3 de janeiro, nos dá algumas pistas. (Marinho foi presidente dos Metalúrgicos do ABC paulista, presidente da CUT, a maior central sindical nacional do Brasil, e ministro do Trabalho durante o primeiro e segundo governos Lula).

Além disso, a equipe de transição para o novo governo Lula montou um grupo técnico de assessoramento sobre o futuro das relações trabalhistas brasileiras em meados de novembro de 2022, composto pelos presidentes das maiores e mais representativas centrais sindicais do Brasil, bem como pelos atuais e ex-técnicos diretores do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIESSE). Com base nos pronunciamentos de Marinho e nos temas discutidos na assessoria técnica, os objetivos mais críticos parecem ser os seguintes:

1- A criação de um sistema sustentável de financiamento sindical, assentado sobre uma representação genuína dos trabalhadores e na aprovação de cláusulas do tipo “segurança sindical” (taxas negociais) através do processo de negociação coletiva. Tal novo regime não significaria o regresso ao antigo “imposto sindical”, um imposto que recaia sobre todos os trabalhadores por decreto legislativo para financiar a estrutura sindical, e que a reforma de 2017 eliminou. (Os impostos negociais estão em total conformidade com as normas e jurisprudência da OIT, mas o imposto sindical não.)

Infelizmente, os precedentes judiciais existentes em nível nacional, tanto do Tribunal Superior do Trabalho (TST) quanto do Supremo Tribunal Federal (STF), invalidaram tais cláusulas de negociação coletiva se exigidas dos não associados representados pelos sindicatos, significando que uma proposta para uma emenda constitucional (PEC) ou uma nova interpretação judicial pode ser necessária. O efeito combinado da invalidação judicial dessas cláusulas de segurança sindical, juntamente com a proibição legislativa do antigo imposto sindical e uma medida provisória promulgada por Bolsonaro para proibir o pagamento automático de quotas, mesmo no caso de sindicalistas voluntários, criou uma queda de 90% nos orçamentos sindicais em 2019.

2- Restaurar a integridade do sistema de negociação coletiva e contrato individual de trabalho, invertendo os aspectos mais perversos da reforma de 2017, será uma grande prioridade. As medidas necessárias incluem: (1) reconhecer a legalidade dos acordos coletivos anteriores até que novos acordos entre sindicatos e empregadores sejam feitos (ultratividade das normas coletivas ); (2) só permitindo a prevalência jurídica  de acordos coletivos com empregadores individuais sobre as convenções setoriais mais gerais se, de fato, tais acordos forem realmente superiores em termos de salários, benefícios e condições de trabalho; (3) garantir que “a prevalência do negociado sobre o legislado” estabelecido pela reforma de 2017 não permita uma deterioração geral da renda e das proteções para os trabalhadores; (4) restaurar a antiga garantia legal de que os sindicatos avaliam e fiscalizam a criação e rescisão de contratos individuais de trabalho; e (5) proibição de contratos “intermitentes” ou de zero horas, na maioria dos setores, que não fornecem garantia de um mínimo de horas pagas.

Restaurar a integridade do sistema de negociação coletiva e contrato individual de trabalho, invertendo os aspectos mais perversos da reforma de 2017, será uma grande prioridade
— Stanley Gacek

Marinho prometeu pressionar por um aumento do salário mínimo (atualmente em R$ 1.320 por mês), uma iniciativa abandonada pelo regime de Bolsonaro, o que tornou os estragos da inflação ainda mais devastadores para a classe trabalhadora brasileira. Ele também prometeu reforçar e fortalecer a Inspetoria do Trabalho em seu ministério, fundamental para combater o trabalho infantil e forçado no país, que só aumentou no governo anterior. Ele também disse que novas proteções de emprego precisam ser desenvolvidas para trabalhadores temporários, independentes, autônomos, e remotos.

Parece que as centrais sindicais nacionais estão de acordo com a agenda que acabo de mencionar. Embora o Presidente Lula possa implementar algumas medidas por meio de decretos e medidas provisórias, muito dependerá da ação de um Congresso predominantemente de centro-direita (incluindo a ratificação de PEC’s) e também interpretações favoráveis do judiciário trabalhista e federal. A obtenção de consenso de grandes organizações do patronato, incluindo, por exemplo, as confederações nacionais, também serão críticas e não sem dificuldade. A esperança é que o espectro chocante e aterrorizante de uma tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro sensibilize os empregadores, os trabalhadores e o  governo a buscarem uma real democratização e estabilidade nas relações trabalhistas, bem como um progresso genuíno na promoção de oportunidades de emprego decente.


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