O potencial da parceria global Biden-Lula pelos direitos dos trabalhadores – um momento a ser aproveitado
Stanley Gacek é Conselheiro Sênior de Estratégias Globais da United Food and Commercial Workers International Union (UFCW), desde setembro de 2016; foi diretor-adjunto e responsável pelo Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, de 2011 a 2016; é membro da Ordem dos Advogados do Distrito de Columbia desde 1979 e membro do Conselho Diretivo do Washington Brazil Office (WBO). O autor testemunhou o lançamento da Iniciativa Trabalhista Global Biden/Lula em 20 de setembro de 2023 na cidade de Nova York. Este texto foi escrito originalmente para a edição 87 do boletim do WBO, publicado em 6 de outubro de 2023. Preencha o formulário no final do texto para acessar e assinar a newsletter semanal da WBO em inglês.
No dia 20 de setembro, após proferirem seus discursos oficiais na abertura da 78ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas de 2023, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden lançaram oficialmente a “Parceria Global Conjunta EUA-Brasil pelos Direitos dos Trabalhadores” no Hotel Intercontinental Barclay em Nova York. O anúncio desta iniciativa significa um momento inédito na história das relações entre o Brasil e os EUA. Embora o Ministério do Trabalho brasileiro e o US/DOL Departamento do Trabalho dos EUA tenham desenvolvido e mantido memorandos de entendimento para a cooperação laboral no passado recente, esta é a primeira vez que ambos os países lançam uma ambiciosa iniciativa de direitos trabalhistas no alto nível presidencial em benefício dos trabalhadores no Brasil, nos Estados Unidos e no mundo inteiro.
Líderes sindicais de ambos os países estiveram presentes no lançamento, incluindo os presidentes das seis maiores centrais sindicais nacionais do Brasil (CUT, FS, UGT, NCST, CTB e CSB), bem como dirigentes sindicais dos EUA da AFL-CIO, o UFCW (Trabalhadores Alimentares e Comerciais), o RWDSU/UFCW, Teamsters, IBEW (Trabalhadores Elétricos) e o AFT (Professores). E dado o alcance global da iniciativa, o Diretor-Geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da ONU, Gilbert Houngbo, esteve presente na cerimônia, falando após os presidentes do Brasil e dos EUA terem proferido seus discursos.
Embora a OIT seja tripartite na sua estrutura e governança, incluindo empregadores, bem como representantes dos trabalhadores e do governo, as organizações empresariais internacionais não são uma parte direta e oficial da iniciativa, uma vez que ela é centrada nos trabalhadores e nos sindicatos. Na verdade, a declaração conjunta afirma que foram os “trabalhadores” que “construíram os nossos países” e, “perante os desafios globais complexos (…) devemos colocar os trabalhadores no centro das nossas soluções políticas”. “Devemos apoiar os trabalhadores e capacitá-los para impulsionar a inovação da qual necessitamos urgentemente para garantir o nosso futuro.” No entanto, a Casa Branca observou, na sua ficha informativa que explica melhor a iniciativa, que haveria um esforço para envolver “parceiros do setor privado (ênfase adicionada) em abordagens inovadoras para criar trabalho digno nas principais cadeias de abastecimento e abordar a discriminação no mundo do trabalho”.
A iniciativa centra-se em “cinco dos desafios mais urgentes enfrentados pelos trabalhadores em todo o mundo: (1) proteger os direitos dos trabalhadores, tal como definidos nas convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho, capacitar os trabalhadores e acabar com a exploração dos trabalhadores, incluindo o trabalho forçado e o trabalho infantil; (2) promover o trabalho seguro, saudável e digno e a responsabilização no investimento público e privado; (3) avançar nas abordagens centradas nos trabalhadores para a transição para energias limpas; (4) aproveitar a tecnologia e as transições digitais para benefício de todos; e (5) combater a discriminação no local de trabalho, especialmente para mulheres, pessoas LGBTQI+ e grupos raciais e étnicos marginalizados, abraçando e promovendo a diversidade e o acesso ao mundo do trabalho.”
Não houve nenhum procedimento de consulta conjunto, organizado e formal com os movimentos sindicais de ambos os países antes do lançamento da parceria. Se tivesse havido, poderia ter havido ainda mais ênfase nas convenções fundamentais específicas da OIT que garantem os direitos sindicais no documento. No entanto, a referência a “convenções fundamentais” inclui inquestionavelmente tais direitos implicitamente. Além disso, os líderes dos movimentos sindicais brasileiros e norte-americanos presentes no lançamento concordaram com as cinco dimensões gerais da iniciativa e estão muito entusiasmados com a sua promessa e potencial.
A declaração revela a intenção de envolver mais diretamente os movimentos trabalhistas brasileiros e norte-americanos na implementação da iniciativa com a seguinte linguagem: “pretendemos trabalhar de forma colaborativa entre nossos governos e com nossos parceiros sindicais (grifo nosso) para avançar nessas questões urgentes ao longo do tempo. No próximo ano (grifo nosso), prevendo uma agenda comum para discutir com outros países no G20 e na COP 28, COP 30 e além.” A referência ao próximo ano é certamente crítica para promover compromissos e investimentos duradouros antes das eleições de 2024 nos Estados Unidos, qualquer que seja o resultado.
O financiamento da parceria é essencial para que esta seja mais do que uma simples declaração de boas intenções. É preciso produzir resultados autênticos, trazendo poder real aos trabalhadores e aos seus sindicatos no Brasil, nos Estados Unidos e no mundo inteiro. Em seu informativo, a Casa Branca menciona: “apoiar e coordenar programas de cooperação técnica relacionados ao trabalho”, acolher o Brasil “na Parceria Multilateral sobre Organização, Empoderamento e Direitos dos Trabalhadores” (M-Power)” e “trabalhar com o Brasil para trazer partes interessadas adicionais e parceiros globais (…)”. Tais referências sugerem a perspectiva de um apoio material real para a iniciativa, e os compromissos precisam ser assumidos em breve.
Dado o papel incomparável e mundialmente reconhecido do presidente Lula na construção do “novo sindicalismo” do Brasil, que desafiou a ditadura militar e a ordem corporativa das relações de trabalho do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, e com Joe Biden sendo indiscutivelmente o presidente mais pró-sindical em história americana, a iniciativa conjunta cria um momento especial e inédito nas relações Brasil-EUA. O momento deve ser aproveitado e os movimentos sindicais brasileiros e norte-americanos devem garantir que assim seja.