PL das Fake News: Agir corretamente e preservar a sociedade

David Nemer é professor Assistente no Departamento de Estudos de Mídia e Professor Associado no Departamento de Antropologia da Universidade da Virgínia. Suas áreas de pesquisa são o uso de tecnologia em regiões marginalizadas, como as favelas do Brasil e Havana, Cuba, e estudos de desinformação. Este artigo foi escrito por ele para a edição 62 do boletim semanal do WBO, distribuída no dia 14 de abril de 2023. Para assinar o boletim e recebê-lo gratuitamente, preencha o formulário no fim deste artigo.


A Câmara dos Deputados do Brasil está atualmente analisando o "Projeto de Lei das Fake News" (2630/20), que visa a combater a disseminação desenfreada de desinformação na internet, particularmente em plataformas de mídia social como Facebook e Twitter e aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram. O projeto de lei obriga os provedores de telecomunicações a tomar medidas contra a desinformação, fortalece a transparência do conteúdo online patrocinado e descreve os procedimentos pelos quais as autoridades estaduais podem penalizar as empresas não conformes. Destina-se principalmente a grandes empresas de tecnologia que operam em três categorias: sites de redes sociais, mecanismos de busca e aplicativos públicos de mensagens instantâneas com mais de 10 milhões de usuários ativos registrados no Brasil.

Embora o principal objetivo deste projeto de lei seja aumentar a transparência nas plataformas de mídia social e aplicativos de mensagens privadas para combater a disseminação da desinformação, ele também tem o potencial de modernizar algumas das leis de internet estabelecidas no Marco Civil da Internet, que estão em vigor há mais de uma década. Além disso, o projeto de lei pode nos aproximar de uma estrutura regulatória para grandes empresas de tecnologia.

Aqui estão 5 pontos importantes sobre o projeto de lei que vale a pena prestar atenção:

1. Moderação de conteúdo

O artigo 15 do projeto de lei estabelece que as plataformas de mídia social são obrigadas a estabelecer diretrizes de moderação de conteúdo que forneçam aos usuários o direito de resposta e divulgação dos perfis dos moderadores. Além disso, o projeto de lei não apenas determina regras para notificar os usuários sobre conteúdo e contas moderados, mas também define o processo de solicitação de revisão de tais decisões. Além disso, obriga as plataformas a divulgar regularmente as características gerais das equipes responsáveis pela aplicação de políticas e termos de uso relacionados a conteúdo gerado por terceiros, incluindo o número de pessoas envolvidas, modelos de contratação e estatísticas sobre proficiência no idioma, qualificações, diversidade demográfica e nacionalidade. Tais divulgações devem ser feitas semestralmente, promovendo maior transparência e prestação de contas nessas plataformas. 

2. Agentes Públicos e Imunidade Parlamentar

O projeto de lei reconhece as contas de mídia social de figuras políticas, como o presidente da República, governadores, prefeitos e legisladores, como de interesse público. De acordo com a proposta, essas contas não podem impedir que outras contas acessem suas postagens. Por exemplo, o projeto de lei proíbe que funcionários públicos bloqueiem outras contas e usuários, restringindo assim o acesso às publicações.

3. Anúncios eleitorais e conteúdo pago.

As plataformas de mídia social devem divulgar todo o conteúdo pago, juntamente com a conta responsável por ele, permitindo que os usuários se comuniquem com os anunciantes. Anúncios eleitorais ou conteúdos que mencionem candidatos, partidos ou coligações devem estar disponíveis ao público para análise da Justiça Eleitoral. O conteúdo promovido e os anúncios com os quais o usuário interagiu nos últimos 6 meses devem incluir informações sobre os critérios e procedimentos de criação de perfil usados em cada caso. É provável que isso afete o setor de publicidade digital, exigindo que as empresas compartilhem suas estratégias de segmentação de público com os concorrentes.

4. Notícias e mídia

Os provedores devem compensar os meios de comunicação pelo uso de seu conteúdo jornalístico. Esta questão tem sido o foco de regulamentações em todo o mundo com resultados variados. O tema é multifacetado e vai além do objetivo inicial do projeto de lei de combate à desinformação. A concentração na indústria de notícias pode aumentar se os provedores decidirem pagar apenas alguns grandes grupos de mídia, e houver ambiguidade sobre qual conteúdo se qualifica para pagamento. Os esforços da Austrália mostraram que o pagamento pode não beneficiar pequenos veículos de jornalismo independente.

5. O CGI torna-se um inspetor de moderação de conteúdo

O projeto de lei delega ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) um conjunto de atribuições, como fiscalizar o cumprimento da lei e elaborar diretrizes para um código de conduta. O CGI também poderia solicitar informações diretamente dos provedores sobre metodologias de moderação de conteúdo, buscando esclarecer como e por que contas e conteúdos foram excluídos, desindexados ou sinalizados como falsos ou enganosos.

O Projeto de Lei das Fake News levantou preocupações sobre seu potencial impacto na liberdade de expressão e sua eficácia no combate à disseminação de desinformação. O deputado Orlando Silva, que elaborou o projeto de lei, enfrenta um desafio significativo ao considerar as recomendações do Governo Federal e de organizações da sociedade civil enquanto ainda tenta obter apoio suficiente da Câmara dos Deputados para aprovar o projeto.

O Brasil pode aproveitar a oportunidade para dar o exemplo para o mundo na regulamentação das Big Techs. No entanto, o país deve evitar adotar a abordagem imprudente de "agir rápido e quebrar as coisas" e, em vez disso, abraçar o desafio de "agir de acordo e preservar a sociedade".


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