Primeiros 100 dias da política externa de Lula: um olhar sobre as manchetes ao redor do mundo
Túlio S H Ferreira é Research Fellow do Washington Brazil Office. Davi Figueiredo Gonçalves Vilar, Maria Eduarda Costa Marques de Moraesk e Silva e Samuel Ângelus Henrique Farias estão matriculados no curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba e integram a equipe de acompanhamento da política externa brasileira coordenada por Túlio Ferreira. Este artigo foi escrito por ele para a edição 71 do boletim semanal do WBO, de 16 de junho de 2023. Para assinar o boletim, basta inserir seu email no formulário no rodapé do artigo.
A política externa dos países é algo que está diretamente relacionado à identificação e à defesa dos interesses nacionais (LAFER, 2004). Os governos anteriores ao de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) buscaram projetar o Brasil internacionalmente em um tom universalista. Buscaram consolidar o país como um 'player' global. Assim, a política externa do Brasil nesse período foi pautada em grande parte pelo multilateralismo, pela integração regional e pelo prestígio conquistado pela diplomacia presidencial (AMORIM, 2010; RICUPERO, 2017). No governo Lula 3 (2023), espera-se que, em alguma medida, a política externa expresse uma retomada do que foi a política externa brasileira nos dois mandatos anteriores de Lula. No entanto, apesar de este artigo não abordar a discussão profunda sobre as mudanças no sistema internacional, deve-se notar que atualmente existem aspectos contextuais significativamente diferentes daqueles expressos no cenário internacional da primeira década do século XXI .
Este breve artigo considera, de forma mais restrita, a mídia, que é uma variável importante na análise da política externa. Mais especificamente, o artigo busca apresentar como, nos primeiros 100 dias de governo, a política externa de Lula 3 foi noticiada nas manchetes de quatro veículos de comunicação em diferentes regiões do mundo. Esse foco se justifica porque a mídia surge como uma lente de observação das ações externas e pode influenciar o processo decisório da política externa por meio de enquadramentos e tentativas de definição de agendas (COHEN, 1963).
Para tanto, selecionamos um conjunto de reportagens publicadas no The Guardian (Reino Unido), The New York Times (Estados Unidos), RT (Rússia) e G1 (Brasil). O objetivo foi analisar parte do conteúdo e do sentimento expressos nas manchetes daqueles textos que mencionavam a política externa do governo Lula 3. A análise se concentrou apenas nas manchetes, pois elas servem para anunciar a notícia e prender a atenção do leitor, fornecendo uma indicação relevante do sentimento pretendido pelo veículo. As conclusões são mostradas no gráfico abaixo:
Número de artigos publicados sobre a política externa brasileira:
O portal de notícias brasileiro G1 publicou 50 reportagens contendo as palavras-chave "política externa" e "Brasil". Ao analisar as manchetes das notícias coletadas, constatou-se a alta frequência de menções ao presidente Lula. Da mesma forma, os países mais citados são Estados Unidos, China e Argentina. Isso indica que as notícias acompanharam os destinos das visitas presidenciais nos primeiros dias de mandato. Lula se reuniu com o presidente Joe Biden em Washington, no dia 9 de fevereiro. O G1 destacou o restabelecimento das agendas bilaterais relacionadas ao meio ambiente e a importância do tema “democracia” no diálogo presidencial. O jornal mencionou os Estados Unidos em contraste com a informação sobre a visita de Lula à China. Essa dinâmica comparativa foi retratada no noticiário sob a ótica das preocupações do governo dos Estados Unidos com a aproximação do Brasil com os chineses.
Da mesma forma, o jornal acompanhou a política interna do Brasil e os preparativos para o encontro de Pequim. Questões comerciais e econômicas foram os principais temas. Essa cobertura destacou a “mudança de rumo” na política externa do Brasil em relação à China na comparação com o governo anterior de Bolsonaro (2018-22). Por fim, o G1 cobriu de perto os encontros de Lula com o presidente argentino Alberto Fernández, destacando as relações bilaterais amistosas entre os dois presidentes e o potencial integrador dos dois países. Abaixo, há uma nuvem de palavras que resume as palavras mais utilizadas nos textos, bem como um gráfico que mostra o sentimento médio dos textos analisados.
O jornal russo RT publicou apenas uma reportagem específica sobre o Brasil. Essa reportagem referia-se à proposta brasileira do "Clube da Paz" para tratar da Guerra Russo-Ucrânica e surgiu justamente durante o encontro entre o presidente Lula e seu homólogo chinês, Xi Jinping. Abaixo, há uma nuvem de palavras e um gráfico que representa a aparência média de diferentes tópicos no artigo.
No jornal norte-americano The New York Times, foram publicadas sete reportagens que envolviam direta ou indiretamente a política externa do governo Lula 3. Eles destacaram temas relacionados à democracia, agenda climática e decisões políticas envolvendo a Rússia e a guerra na Ucrânia. Eles enfatizaram a ligação entre o atual governo brasileiro e a agenda democrática, sendo Lula 3 associado à ideia de "retorno à democracia". Os países "Ucrânia" e "Rússia" apareceram a seguir nas manchetes. Os artigos enfatizavam a posição do Brasil na busca do consenso e da paz. No entanto, o jornal noticiou uma divergência entre os presidentes Biden e Lula quanto ao fornecimento de armas à Ucrânia. Sobre a Amazônia, o jornal demonstrou o alinhamento entre as ideias do Brasil e dos Estados Unidos, sendo esta uma arena para fortalecer as relações externas desses dois países. Houve destaque especial para a atuação da Ministra Marina Silva com a expectativa de redução do desmatamento ilegal na Amazônia que expressou confiança na trajetória de Marina na gestão de questões ambientais.
No jornal britânico The Guardian, 29 artigos apareceram na seção "World News". A invasão do Congresso Nacional ganhou destaque com manchetes ligando o ataque aos “fascistas de Bolsonaro” e “neofascistas”. O jornal também chamou a atenção para a recente crise humanitária do povo Yanomami. Sobre o presidente Lula, o The Guardian mencionou sua visita diplomática à China. O jornal também fez referências ao presidente em relação à sua política ambiental e ao seu posicionamento sobre a crise Yanomami. Simultaneamente, o The Guardian também citou acusações de genocídio contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e operações contra o garimpo ilegal em terras indígenas. Em relação à Guerra da Ucrânia, o editorial enfocou a visita diplomática do presidente Lula à China e sua posição como potencial mediador do conflito. A publicação destacou as declarações do governo Lula sobre o conflito, em especial a sugestão do presidente da secessão da Crimeia como forma de apaziguar a guerra.
Esta pequena amostra do tratamento da política externa brasileira nos primeiros 100 dias do governo Lula 3 destaca alguns aspectos valorizados na agenda política internacional. G1 e The Guardian apresentaram reportagens mais críticas, apesar de a maioria das manchetes analisadas serem neutras ou positivas. O New York Times apresentou uma tendência predominantemente neutra, enquanto a única notícia encontrada no RT foi claramente positiva. Novos estudos, com maior número de veículos e maior abrangência temporal, podem contribuir para um melhor entendimento das tendências e percepções refletidas na mídia sobre o governo Lula 3.
Referências
Amorim, Celso. “Política externa brasileira no governo Lula (2003-2010): um panorama”. Revista brasileira de política internacional v. 53 (2010): 214-240.
Cohen, Bernardo. Imprensa e Política Externa. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1963.
Lafer, Celso. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira: passado, presente e futuro. São Paulo: Editora Perspectiva, 2004
Ricupero, Rubens. A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016. Rio de Janeiro: Versal, 2017
