WBO aproxima ativistas e acadêmicos em conferência sobre o Brasil na Universidade Georgetown
Comunicado do WBO
23 de outubro de 2023
Evento reuniu 15 especialistas para debater as rápidas transformações políticas, econômicas e sociais no Brasil
Iniciativa aproxima Brasil e EUA, elevando a voz da sociedade civil brasileira no plano internacional, de acordo com os organizadores
A conferência Brazil in Transition, realizada em Washington, nos dias 19 e 20 de outubro, pelo WBO (Washington Brazil Office) e a Universidade Georgetown, tornou-se um ponto de encontro valioso entre acadêmicos e representantes de organizações e de movimentos da sociedade civil interessados em debater as rápidas e profundas transformações pelas quais o Brasil está passando.
Durante dois dias, 15 especialistas em desenvolvimento econômico, racismo, direitos humanos, meio ambiente, questões indígenas, democracia e criminalidade se revezaram em cinco mesas temáticas no campus da universidade. A conferência foi transmitida ao vivo pela internet e o conteúdo completo – tanto do dia 19 quanto do dia 20 de outubro – permanece disponível na íntegra.
Em sua fala de abertura, o professor Bryan McCann, chefe do Departamento de História da Universidade Georgetown, saudou a parceria com o WBO e o esforço conjunto para aproximar Brasil e nos EUA num diálogo conjunto. “É um prazer enorme e uma honra dar início a essa conferência. Nós fizemos um grande esforço para colocar essa conferência de pé. Isso não teria sido possível sem o apoio da Universidade Georgetown e o Washington Brazil Office, que trabalham de maneira conjunta para realizar essa conferência”, disse McCann.
O diretor do Departamento de História foi seguido por uma saudação de abertura do professor James N. Green, presidente do Conselho Diretivo do WBO, que recapitulou os últimos 54 anos de ações de solidariedade entre EUA e Brasil no que diz respeito à defesa da democracia. Ele situou o trabalho do WBO e dos painelistas presentes como parte de uma corrente histórica que teve início ainda em 1969, quando o advogado, cientista político, jornalista e deputado cassado Márcio Moreira Alves foi a Washington alertar parlamentares americanos sobre os inúmeros crimes que estavam sendo cometidos pela ditadura militar brasileira (1964-1985).
A visita de Alves “foi a primeira de muitas ações descentralizadas para denunciar internacionalmente a violência de Estado contra opositores, as violações de direitos humanos e a repressão contra todos os movimentos sociais progressistas brasileiros à época”, disse Green. “Desde então, ao longo dos anos, em diferentes momentos e de muitas formas, diferentes grupos tentaram levar adiante essa solidariedade e essa missão de informar o público americano a respeito do que ocorre no Brasil. Nós fundamos o WBO com 22 organizações filiadas inicialmente – ONGs, movimentos, think tanks e outras organizações – para pensar formas de articular os interesses da sociedade civil brasileira internacionalmente”, disse.
“Estamos particularmente orgulhosos de organizar esse encontro a Universidade Georgetown para pensarmos juntos sobre a natureza da situação atual no Brasil, juntamente com os acadêmicos, especialistas, brasilianistas e representantes de organizações da sociedade civil que nós trouxemos para esse encontro”, concluiu Green, ressaltando que “as vozes da sociedade civil são um elemento chave para a defesa da democracia no Brasil nos anos que estão por vir”.
Na sequência, o ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil em Washington, Bernardo Velloso, falou do que classificou como um “momento promissor das relações Brasil-EUA”. Ele relembrou a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a seu homólogo americano, Joe Biden, em setembro de 2023, ainda antes de concluir seu primeiro ano de mandato. Para Velloso, essa visita “foi um sinal forte da importância das relações Brasil-EUA”, em agendas de interesse comum nas áreas ambientais, na reforma das instituições multilaterais e nas mudanças climáticas, por exemplo.
Valloso citou ainda o Japer – sigla em inglês do Plano de Ação Conjunta Brasil-Estados Unidos para a Eliminação da Discriminação Étnico-Racial e a Redução da Desigualdade, com o qual o WBO vem trabalhando, para articular uma participação ainda mais ativa e próxima das organizações da sociedade civil brasileira nas relações bilaterais.
A importância da parceria entre o WBO e a Universidade Georgetown foi retomada nas falas de encerramento. Paulo Abrão, diretor-executivo do WBO, saudou a conferência como “uma oportunidade de colocar em prática a convicção de que é fundamental a aliança entre o setor acadêmico e o setor social, o ativismo, as organizações sociais brasileiras, porque essa é uma convergência que garante a independência necessária para os que querem fazer uma análise correta sobre como avança a democracia no Brasil”.
Abrão destacou o que classifica como uma “a aliança positiva entre setores acadêmicos norte-americanos que têm paixão pelo Brasil, que estudam o Brasil, e brasileiros que têm vontade de aprofundar a experiência democrática”. Ele destacou que a conferência contribui para o objetivo do WBO, que é de construir laços entre as sociedades civis do Brasil e dos EUA – que “serão laços sólidos à medida que forem constituídos a partir das bases em vez de ficarem dependentes dos humores dos governantes”. De acordo com Abrão, “os governos e as instituições já têm seus canais diplomáticos, têm suas estruturas. Agora a sociedade civil precisa construir formas de fortalecer suas vozes críticas, lúcidas e independentes”.
A cientista política Diana Kapiszewski fez o encerramento da conferência em nome da Universidade Georgetown. Ela ressaltou a qualidade das mesas e dos expositores, que contribuíram para uma visão mais profunda sobre “os desafios que o Brasil está enfrentando e das muitas razões para ser otimista em relação ao poder extraordinário do país e em sua capacidade de continuar construindo um futuro menos desigual, mais inclusivo mais sustentável e mais seguro e mais democrático.”
Economia, racismo e direitos humanos
A primeira mesa, sobre desenvolvimento econômico, foi aberta por Monica de Bolle, senior fellow do Peterson Institute for International Economics, que chamou a atenção para a ausência de uma discussão séria sobre desenvolvimento no Brasil nas últimas décadas. “O Brasil está parado neste lugar em que a discussão sobre agenda macroeconômica ofusca o debate na arena pública sobre desenvolvimento econômico”, disse a professora.
Na sequência, Nelson Barbosa, diretor do BNDES, citou a pandemia para mostrar que “a política fiscal funciona quando ela é correta”. Barbosa citou medidas compensatórias tomadas por diferentes governos para superar a crise. O diretor do BNDES falou ainda dos desafios de financiar uma política de bem-estar social num país como o Brasil, enumerando as experiências de financiamento de saúde pública, educação pública e programas como o Bolsa Família, o que explica a alta carga tributária brasileira quando comparada a outros países em desenvolvimento.
A mesa sobre desenvolvimento econômico foi concluída por Marcelo Paixão, professor associado da Universidade do Texas – Austin e afiliado ao Departamento de Estudos da Diáspora Africana (AADS) e ao Instituto Teresa Losano Long de Estudos Latino-Americanos (LLILAS). Paixão fez uma retrospectiva de planos econômicos brasileiros de 1986 até o Plano Real, que foi marcado pela oposição do controle da inflação ao desenvolvimento econômico. Ele notou a ênfase da primarização da economia brasileira, que passou a depender sobretudo da agricultura. O professor citou dados que mostram que, em 2002, o complexo agroindustrial liderava as exportações brasileiras, enquanto, em 1989, dois terços das exportações brasileiras eram de manufaturados; e mostrou o efeito nocivo de um conceito de desenvolvimento econômico que não é inclusivo, especialmente em relação à população negra brasileira.
A mesa seguinte, tratou de racismo e direitos humanos. A primeira expositora, Marcia Lima, do Ministério da Igualdade Racial, relatou o desmonte das políticas do setor por parte do governo anterior. Ela enumerou as diversas ações diretas e regressivas que levaram a um enfraquecimento da agenda racial. Lima disse que boa parte do tempo, desses dez meses de governo, tem sido dedicado a construir um ministério, “que nós esperamos que não tenha uma existência restrita aos quatro anos deste governo”.
Ela foi seguida por Edilza Sotero, professora de Sociologia e pesquisadora do Programa A Cor da Bahia, da UFBA (Universidade Federal da Bahia), além de consultora do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), que colocou a luta contra o racismo como um elemento fundamental para a construção de uma democracia real, sólida e efetiva. Sotero relembrou a história de mobilização ativa e o diálogo internacional dos movimentos negros, destacando o fato de essa luta ter levado ao reconhecimento da escravidão e do comércio transatlântico como crimes contra a humanidade que demandam hoje políticas de reparação. Ela situou as lutas dos movimentos negros – ao longo da história e no momento atual – como um fenômeno indissociável da própria luta em defesa da democracia e dos direitos humanos.
Gladys Mitchell-Walthour, professora de Ciência Política na Universidade Central da Carolina do Norte e uma das coordenadoras da USDB (US Network for Democracy in Brazil), focou sua apresentação na análise do acesso à alimentação como um fator de cidadania e direitos humanos para afrodescendentes no Brasil, colocando especial atenção no programa Bolsa Família. De acordo com dados apresentados por ela, mais de 60% dos lares liderados por mulheres afrodescendentes sofrem de fome no Brasil, enquanto entre lares liderados por brancos esse percentual é de 10% aproximadamente. Mitchell-Walthour apresentou dados e conclusões colhidas a partir de suas visitas de pesquisa ao Brasil, que resultaram na publicação de um livro a respeito do tema: The Politics of Survival: Black Women Social Welfare Beneficiaries in Brazil and the United States (Black Lives in the Diaspora: Past / Present / Future).
Meio ambiente, povos indígenas, criminalidade, violência e democracia
O segundo dia de conferência começou com uma mesa sobre meio ambiente e povos indígenas. A primeira expositora, Kathryn Hochstetler, da LSE (London School of Economics) falou do desmantelamento do aparato estatal usado para frear o desmatamento no Brasil durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. De acordo com ela, leis passadas aprovadas no Congresso e regulações derrubadas nesse período reduziram enormemente a capacidade do governo em frear o desmatamento. Hochstetler disse ainda que governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva reverteu 40 dessas medidas governamentais em 10 meses.
Em seguida, Janes Jorge, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Campus Guarulhos, aprofundou a análise sobre as muitas medidas regressivas tomadas nos últimos quatro anos no Brasil, reconstituindo as dinâmicas políticas e sociais que tornaram possível a ascensão da extrema direita no país – setor político que de acordo com Jorge “teve o meio ambiente como um de seus alvos”.
O terceiro conferencista da mesa sobre meio ambiente e povos indígenas foi Caetano Scannavino, que relatou o trabalho desenvolvido pela ONG Saúde e Alegria, da qual ele faz parte, na Amazônia. Scannavino contou sobre o crescimento nos registros de casos de intoxicação por mercúrio e como esse fato inibe o aleitamento materno entre mães que têm receio de contaminar com mercúrio seus bebês. Ele falou ainda sobre o aumento da perseguição aos defensores do meio ambiente e brigadistas na região.
A mesa seguinte, sobre criminalidade e violência foi aberta Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, que mostrou o crescimento da disponibilidade de armas de fogo na sociedade brasileira, impulsionado pela criação de mais de 40 normas nesse sentido, por parte do governo Bolsonaro. As mortes provocadas por armas de fogo no Brasil têm patamar superior ao registrado na média mundial e afeta principalmente jovens negros moradores de periferia, disse a diretora do Instituto Sou da Paz.
Douglas Belchior, professor de história e fundador da Uneafro, deu sequência à mesa, falando da importância do acesso à educação como ferramenta para a diminuição da violência e da exposição dos jovens negros aos efeitos dessa violência. Belchior também chamou a atenção sobre o peso desproporcional da violência e das dificuldades econômicas sobre a população negra brasileira, na comparação com o restante da população. Ele conceituou a sociedade brasileira como “violenta, autoritária, elitista e hipócrita”, pontuando exemplos de dificuldade de superação desses elementos, mesmo em períodos de governos progressistas no país.
A mesa sobre criminalidade e violência foi concluída por Fabio de Sa e Silva, professor Wick Cary de Estudos Brasileiros e co-Diretor do Centro de Estudos Brasileiros na Universidade de Oklahoma, que iniciou sua fala analisando aspectos ligados às questões policial e penal, que, de acordo com ele, requerem reformas profundas no Brasil, que mesmo governos democráticos, têm tido dificuldade em implementar. Silva também abordou os desafios que o governo Lula terá de enfrentar em relação à deterioração institucional, aos conflitos entre facções e a uma tendência preocupante de negar o aporte de especialistas do setor e da sociedade civil em detrimento de um fetiche pelas soluções meramente policiais no setor.
A última mesa da conferência, sobre democracia, foi iniciada por Flávia Pellegrino, coordenadora executiva do Pacto pela Democracia, que estabeleceu paralelos entre os atzaques recentes à democracia no Brasil e nos EUA – países que têm em comum o fato de terem sido governados por líderes populistas de extrema direita (Donald Trump e Jair Bolsonaro), nos quais candidatos democratas triunfaram na sequência (Joe Biden e Lula). Pellegrino ressaltou a importância das trocas, intercâmbios e reflexões conjuntas entre a sociedade civil dos dois países e ampliou a análise do problema em escala global, já que atualmente 72% da população mundial vive sob regimes autocráticos.
Angela Alonso, professora titular de Sociologia da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora visitante do Alari (Afro Latin American Research Institute) de Harvard, falou em seguida sobre o longo processo político e social que levou ao Brasil ao cenário atual, que ela define como sendo de grande antagonismo entre os setores aglutinados em torno de Lula e de Bolsonaro. Alonso disse que, desde o primeiro mandato de Lula, em 2002, essa divisão veio se criando e se aprofundando em torno de três eixos principais: a redistribuição de recursos e de oportunidades sociais escassas; o recurso à violência pelo Estado e pelos cidadãos; e a orientação moral da vida coletiva (incluindo corrupção) – três elementos que exacerbaram de forma crescente o antagonismo político entre campos opostos no Brasil.
José Antonio Cheibub, professor Andrew W. Mellon de Ciência Política na Universidade de Pittsburgh, focou sua apresentação na descrição e na análise do sistema eleitoral brasileiro e do fenômeno da fragmentação partidária existente no Brasil. Ele explicou como o sistema brasileiro favorece partidos políticos pequenos, num cenário de fragilidades institucionais. Cheibub afirmou que a discussão da institucionalidade é chave para entender as fragilidades da democracia no país e para pensar saídas para esse problema.