79ª UNGA: uma nova oportunidade para avanços na agenda global

Denilde Holzhacker, doutora em Ciência Política, professora de Relações Internacionais e atualmente diretora de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Sensu na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). Este artigo foi escrito a edição 135 do boletim semanal do WBO, publicado em 13 de setembro de 2024. Para assinar o boletim e receber gratuitamente, insira seu e-mail no campo abaixo.



Entre 10 e 30 de setembro ocorrem as sessões da 79ª UNGA (Assembleia Geral das Nações Unidas, na sigla em inglês), um dos eventos mais importantes do calendário diplomático global, que reúne líderes e delegações diplomáticas de 193 países no que pode ser comparado, num paralelo com o mundo esportivo, às Olimpiadas ou a Copa do Mundo do Futebol, dado o caráter de grande palco internacional do evento, desde sua primeira sessão, em 10 de janeiro de 1946, em Londres.

Criada na Carta das Nações Unidas de 1945, a Assembleia Geral das Nações Unidas tem desempenhado um papel fundamental na agenda internacional. O pós-Segunda Guerra (1939-1945) expôs a necessidade de criar uma organização capaz de mediar conflitos, promover os direitos humanos e construir mecanismos de solução de controvérsias entre os Estados. Com o passar das décadas, os desafios globais tornarem-se ainda mais complexos e, em um ano marcado por múltiplas crises – como mudanças climáticas, conflitos armados, declínio das instituições democráticas, crises humanitárias e migratórias – renovam-se as expectativas para que a UNGA possa ir além dos discursos e debates tradicionais, ampliando a pressão para uma renovação que possa destravar o imobilismo que tem marcado a agenda multilateral nos últimos anos.

De acordo com a Carta da ONU, a Assembleia Geral exerce funções deliberativas, de supervisão e financeira dos órgãos das Nações Unidas. Essa instância é também um espaço para discutir temas e fazer recomendações aos seus membros. Embora não tenha capacidade de impor resoluções ou ações, o caráter deliberativo e o espaço de discussão se renovam a cada reunião anual da Assembleia Geral e em suas sessões especiais. Neste ano, o tema escolhido pelo eleito da UNGA, Philemon Yang de Camarões, foi “Deixando Ninguém para Trás: Agindo Juntos pelo Avanço da Paz, Desenvolvimento Sustentável e Dignidade Humana para Gerações Presentes e Futuras”.

No início de cada sessão ordinária, a Assembleia Geral também realiza um debate geral, no qual todos os líderes dos países discursam e apresentam questões de interesse internacional. Por tradição, o Brasil abre anualmente os pronunciamentos dos líderes e representantes dos países. Desde a democratização, todos os presidentes ocuparam a tribuna da Assembleia para apresentar as principais visões sobe a política externa brasileira. No entanto, nem sempre a tribuna é utilizada para tratar da agenda internacional; às vezes, o discurso é dirigido para a opinião pública nacional. Esta estratégia também é utilizada por outros governantes que se voltam para suas plataformas domésticas e não para a agenda global.

No entanto, a organização das sessões da 79ª. UNGA não se limitam ao pronunciamento dos chefes de Estado, sendo que a maior parte do trabalho da reunião anual é delegada a seis comitês: (1) Desarmamento e Segurança Internacional, (2) Econômico e Financeiro, (3) Social, Humanitário e Cultural, (4) Política Especial e Descolonização, (5) Administrativo e Orçamentário e (6) Legal. Nestes comitês a comunidade diplomática propõem recomendações e ações que serão incorporadas aos distintos fóruns multilaterais.  

Lula discursa na abertura da 78ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Paralelamente às reuniões ordinárias são organizadas as sessões especiais, que este  ano serão as seguintes: Cúpula do Futuro, entre 22 de setembro e 23 de setembro de 2024; reunião plenária de alto nível sobre como lidar com as ameaças existenciais representadas pelo aumento do nível do mar, no dia 25 de setembro de 2024; Reunião plenária de alto nível para comemorar e promover o Dia Internacional para a Eliminação Total das Armas Nucleares, no dia 26 de setembro de 2024; Reunião de alto nível sobre a resistência antimicrobiana, 26 de setembro de 2024.

A Cúpula do Futuro é uma iniciativa que visa construir um novo marco de cooperação internacional no que tange aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis). Após anos de progresso desigual no cumprimento dos ODS, a conferência pretende revitalizar os compromissos e oferecer novas soluções para os problemas sistêmicos que ainda persistem no cenário global. Durante a Cúpula está sendo negociado o Pacto para o Futuro, que é composto de 58 ações voltadas para garantir a sustentabilidade e desenvolvimento para todas as futuras gerações. Também no âmbito da Cúpula serão assinadas a Declaração sobre as Futuras Gerações e uma declaração sobre as tecnologias digitais no âmbito global.

Frente às ameaças globais e à eclosão de conflitos, a questão nuclear entra com força nos debates da UNGA deste ano. Desde o TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear), adotado em 1968, a comunidade internacional tem agido para limitar a disseminação de armas nucleares. No entanto, apesar de alguns avanços, ainda existem um amplo arsenal atômico – e com cenário de conflitos novamente dominando a agenda geopolítica –, crescem também os temores de que uma nova onda de corrida armamentista aumente os riscos de instabilidade global. Por isso, uma nova abordagem em prol do desarmamento coloca-se como essencial e relevante para promoção de soluções diplomáticas neste campo.

O fato de que a proliferação nuclear continua sendo uma questão não resolvida da agenda global, como tantos outros desafios que persistem na agenda global, amplia ainda mais a necessidade de que as Nações Unidas ganhem protagonismo e espaço para a construção de diálogos com seriedade e urgência. Apesar das dificuldades inerentes à construção de consensos na agenda internacional, a ONU permanece o espaço mais democrático e verdadeiramente representativo das diversas perspectivas globais. No entanto, sua legitimidade ainda depende da sua capacidade de transformar discussões e discursos que sejam firmados em compromissos para implementação das ações, não se restringindo apenas em intenções. A 79ª. UNGA é novamente uma oportunidade para que os líderes globais e a sociedade civil se engajem e que possamos ir para além das promessas. Como expressado no título da 79ª UNGA: que não deixemos ninguém para trás.


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