O perigo da extrema direita e a necessidade de confrontá-lo

Paulo Abrão, diretor-executivo do WBO e Bryan McCann, History Professor at Georgetown University. Este artigo foi escrito por para a edição 135 do boletim semanal do WBO, publicado em 20 de setembro de 2024. Para assinar o boletim e receber gratuitamente, insira seu email no campo indicado.



No dia 24 de setembro, o WBO (Washington Brazil Office) e a Universidade Georgetown farão um evento para discutir as expressões atuais da extrema direita e os desafios que esse setor impõe. O debate contará com a participação de dois eminentes colegas brasileiros, que se dedicam à pesquisa do tema no Brasil – Flávia Pellegrino, do Pacto Pela Democracia; e Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais da FGV – além do professor Elcior Santana, de Georgetown, e da deputada democrata Kamlager-Dove. Esta será sem dúvida uma grande oportunidade para refletirmos sobre o momento que estamos atravessando; e queríamos aproveitar esta oportunidade para adiantar aqui alguns tópicos importantes que devem marcar este debate ao qual todos estão convidados a acompanhar, seja presencialmente, seja pela transmissão on line, pelo canal do WBO no Youtube.

Primeiro, é importante dizer com toda clareza que a extrema direita é uma força política que está crescendo em todo mundo. Esse crescimento ocorre nas brechas das insuficiências e das imperfeições da democracia. É um crescimento protagonizado por novos líderes – líderes populistas, demagogos e truculentos – que manipulam as frustrações que seus eleitores demonstram ter em relação à democracia para oferecer como resposta a esses eleitores a destruição completa de tudo o que dá sentido e sustentação a estas mesmas democracias tal como as conhecemos. Ou seja, a extrema direita propõe um estelionato: ela ganha apoio de quem quer uma democracia melhor, mas entrega de volta, no futuro, democracia nenhuma; quem tem alguma dúvida disso, basta olhar as tentativas frustradas de golpe de Estado ocorridas nos EUA, em 6 de janeiro de 2021, e no Brasil, em 8 de janeiro de 2023, quando dois grandes expoentes desse setor – o americano Donald Trump e o brasileiro Jair Bolsonaro – atacaram com todas as forças o sistema eleitoras de seus respectivos países, assim como as instituições encarregadas da salvaguarda desse patrimônio democrático. 

Esse é um movimento muito bem articulado internacionalmente. É também um movimento que conta com financiamento robusto e com respaldo comunicacional de alguns dos maiores empresários do mundo. As redes sociais se tornaram o território no qual se dá a expansão e o aprofundamento desse avanço irrefreável contra as democracias. A partir desses sólidos pontos de apoio, são conduzidos ataques orquestrados aos freios e contrapesos da democracia: os órgãos judiciais, o Congresso, a imprensa, as instituições acadêmicas, as organizações de defesa dos direitos humanos, os partidos políticos de oposição, o sistema eleitoral e os órgãos que o resguardam.

Na dilapidação da democracia, esse setor político extremista reivindica para si total liberdade para agir. É um setor que distorce e subverte as liberdades individuais para, com isso, encastelar no poder políticos personalistas, narcisistas e violentos, que, uma vez na Presidência, passam a negar a seus opositores todos os direitos e liberdades reivindicados para si mesmos.

É também um setor que promove e incita a violência política – seja pela defesa irresponsável da ampliação do uso de armas de fogo na sociedade, seja pelo enaltecimento de regimes de força do passado, pela evocação de um ideal militarista e pela supressão daqueles considerados fracos e sensíveis demais para uma nova sociedade marcada pelo uso vulgar da força. Nesse sentido, os direitos de minorias passam a ser atacados. A misoginia que oprime passa a ser redimida no discurso da extrema direita, em nome de uma masculinidade ameaçada. A comunidade LGBTQIA+ é tratada como ameaça à família e a uma suposta normalidade muito ligada a uma concepção limitada de religiosidade.

Temos presenciado trocas cada vez mais estruturadas entre ideólogos e operadores desse setor. O Brasil e os EUA talvez estejam na vanguarda dessa cooperação. Extremistas brasileiros têm estreitado laços com empresários e com parlamentares desse setor nos EUA. O trabalho desses operadores parece caminhar na direção de uma internacionalização estruturada do movimento, baseada não apenas nos contatos, na troca de experiências e nas declarações de simpatia mútua, mas também no intercâmbio de estratégias cada vez mais sintonizadas e na criação de um ambiente mundial tolerante e propício para esses ataques coordenados.

A resistência democrática a esse movimento deve, na mesma medida, ser também robusta e articulada. Ao realizarmos esse encontro em Washington, esperamos dar uma contribuição valorosa para todos os que acompanham, estudam, debatem e formulam estratégias para lidar com a extrema direita no mundo, de maneira a preservar, promover e defender a democracia.  


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