A quem interessa calar a pesquisa sobre crimes online?
Marie Santini, professora da Escola de Comunicação da UFRJ e fundadora e diretora do Netlab UFRJ. É pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, investigadora da Rede Europeia Vox-Pol e membro do International Observatory on Information and Democracy.. Este artigo foi escrito para a edição 125 do boletim semanal do WBO, de 12 de julho de 2024. Para ser um assinante do boletim, basta inserir seu e-mail no formulário abaixo.
O NetLab UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) é uma referência nacional no estudo da desinformação que circula na internet e nas redes sociais. Há 13 anos desenvolvendo pesquisas sobre a situação da informação digital no Brasil, o Laboratório busca participar ativamente do debate público, seja em atividades acadêmicas, em iniciativas da sociedade civil, atividades oficiais ou com suas frequentes participações no noticiário brasileiro e internacional.
Recentemente, o Laboratório, suas pesquisas e pesquisadores sofreram uma série de ataques. Parlamentares do campo conservador apresentaram requerimentos para que o NetLab fosse convocado a uma audiência pública e acionaram o Ministério da Educação para obter documentos sobre o financiamento do laboratório – informações que estão disponíveis em nosso site. Nas redes sociais, fomos vítimas de uma campanha de políticos, blogueiros e influenciadores contrários ao trabalho de pesquisa em desinformação, que rendeu milhares de insultos, provocações e ameaças em nossos perfis. Algumas publicações sugeriam que, a exemplo do Stanford Internet Observatory, cujas atividades foram encerradas depois de uma campanha de perseguição de congressistas norte-americanos, o NetLab fosse fechado.
Os ataques insinuavam que o NetLab UFRJ estaria perseguindo e criminalizando membros da oposição com financiamento público, fazendo alusão aos projetos apoiados pela Senacon do Ministério da Justiça e com o Ministério das Mulheres. No entanto, estes financiamentos custeiam exclusivamente pesquisas sobre a publicidade digital e monetização de conteúdo no Brasil. Os projetos têm se debruçado sobre anúncios impulsionados nas redes sociais que buscam aplicar golpes em consumidores brasileiros, roubando seus dados pessoais e/ou seu dinheiro.
Em meio ao cerco dos políticos e influenciadores conservadores, uma matéria do Núcleo evidenciou a maneira como as big tech lidam com resultados científicos quando estes apontam para problemas que afetam seus interesses econômicos. Advogados da Meta, dona do Facebook, Instagram, WhatsApp e outras plataformas, acusaram o NetLab UFRJ de parcialidade, colocando em xeque a ética e a qualidade da ciência que produzimos. O processo, movido pela Senacom e baseado em evidências apresentadas em um relatório do NetLab, responsabiliza a empresa por manter no ar anúncios fraudulentos mesmo depois de ser alertada de seu conteúdo.
O que estes ataques mostram sobre a indústria da desinformação no Brasil? Por que afinal há interesse em censurar pesquisas que defendem o direito dos consumidores?
A tentativa de silenciar a pesquisa sobre fraudes e golpes em anúncios online protege criminosos que se escondem por trás da falta de regulação do ambiente digital. É preciso investigar, portanto, qual é o interesse daqueles que defendem a permanência de um ambiente virtual propício a fraudes e golpes contra cidadãos brasileiros, questionando inclusive se eles têm algo a ganhar com essa situação.
Este não é, no entanto, o papel do NetLab UFRJ. Nossa missão é, entre outras coisas, fundamentar o debate público e analisar o papel das novas tecnologias nas estratégias contemporâneas de manipulação da mídia e da opinião pública, fornecendo evidências empíricas para sustentar o desenvolvimento de legislação adequada.
A defesa da Meta, por sua vez, deslegitima estas evidências declarando que são enviesadas ou não são suficientes para regular sua atuação. A empresa sabe que qualquer iniciativa de regulamentação de suas atividades se traduz em perda de receitas. Cada anúncio fraudulento veiculado gera lucro para as plataformas ao mesmo tempo em que oferece uma oportunidade de negócios para estelionatários alcançarem as “vítimas ideais”. Um ambiente online desprotegido e desregulado gera lucros para essas empresas. Quanto menos regulação, mais seu modelo de negócios prospera, e por isso seus advogados tentam blindá-las dos questionamentos da ciência.
No processo revelado pelo Núcleo, a Meta não responde aos problemas levantados pela Senacom. Ao invés disso, ataca a legitimidade das evidências objetivas, consolidadas pelo NetLab UFRJ, que sustentam o processo, e questiona a idoneidade da diretora do laboratório, a professora Marie Santini. Quando a Meta ou outra big tech age para desqualificar a ciência, está se aliando àqueles que usam as plataformas para aplicar golpes, obter vantagens políticas ou minar a democracia - algo que vimos recentemente em nosso país.
Os interesses econômicos de grupos privados, ou os interesses de grupos políticos, não podem se sobrepor à segurança dos consumidores e ao Estado Democrático de Direito. As evidências levantadas pela pesquisa do NetLab UFRJ, realizada com integridade e segundo as melhores práticas científicas, pressionam plataformas e parlamentares a se posicionarem diante do cenário de opacidade e desregulamentação das redes sociais no Brasil. O que está em jogo é a capacidade de coibir criminosos na internet e preservar a democracia. A sociedade deve observar com atenção de que lado as empresas e os políticos estarão.