Cinco lições da COP16 para o combate aos crimes ambientais
Julia Yansura, diretora do Programa de Crimes Ambientais e Ilícitos Financeiros da FACT Coalition (Financial Accountabilty and Corporate Transparency). Este artigo foi escrito para a edição 141 do boletim semanal do WBO, publicado em 8 de novembro 2024. Para assinar o boletim e receber gratuitamente, insira seu email no campo indicado.
Representantes de diversos países reuniram-se durante duas semanas na Conferência sobre Biodiversidade da COP16 em Cali, Colômbia. O encontro, realizado de 21 de outubro a 1º de novembro, serviu para discutir compromissos nacionais para proteger a biodiversidade em um momento em que até 1 milhão de espécies estão em risco de extinção.
É claro que os crimes ambientais se enquadram diretamente na agenda da COP16. A extração ilegal de madeira, a mineração e o tráfico da flora e da fauna selvagens constituem grandes ameaças à biodiversidade. Essas práticas ocorrem tanto por meio de ameaças diretas – como no caso do tráfico de espécies ameaçadas de extinção que são removidas de seus habitats e, com isso, têm sua sobrevivência imediata colocada em risco – quanto por meio de ameaças indiretas, como no caso do uso de mercúrio nas atividades de mineração ilegal, o que envenena organismos vivos, incluindo golfinhos e onças, ao longo de todo curso dos rios.
A FACT Coalition foi à COP16 levando sua recém lançada pesquisa sobre crimes ambientais e o dinheiro sujo que alimenta essa cadeia ilegal. A organização analisou 230 crimes ambientais nos últimos dez anos e descobriu que os Estados Unidos aparecem como o destino mais recorrente para recursos naturais de origem ilegal, bem como para os lucros derivado dessas transações criminosas, sobretudo quando falamos de crimes cometidos em países da região amazônica. Nesses casos, os lucros ilícitos são frequentemente lavados por meio de empresas anônimas de fachada. Além disso, a FACT descobriu que crimes ambientais frequentemente se sobrepõem a outros crimes, como corrupção e financiamento do terrorismo, num fenômeno conhecido como “convergência de crimes”.
Assim como a FACT, muitas organizações chegaram à COP16 com novas pesquisas, casos e recursos para compartilhar. Após duas semanas de intensa discussão, debate e troca de ideias, estas são algumas das principais conclusões relativas aos crimes ambientais:
Há um amplo consenso de que precisamos “seguir o dinheiro”, mas há também preocupações sobre como efetivamente colocar isso em prática. “Os esforços para combater o financiamento ilícito relacionado a outras economias ilegais, como o tráfico de drogas, produziram resultados abaixo do esperado”, disse-me María Victoria Llorente, diretora de um dos principais think tanks da Colômbia, na COP16. “Como podemos garantir que faremos melhor com crimes ambientais?” Essa é uma pergunta desafiadora, cuja resposta está em grande medida na conscientização do setor financeiro. Por exemplo, a World Wildlife Federation lançou um novo kit de ferramentas na COP16 que ajuda as instituições financeiras a entender e mitigar os riscos associados a crimes ambientais. Outra parte da solução está no fortalecimento das respostas governamentais. Em uma das mesas da COP16, um funcionário da Unidade de Inteligência Financeira da Colômbia explicou que seu país implementou mudanças administrativas para fazer com que informações coletadas pela inteligência financeira sejam enviadas ao Gabinete do Procurador-Geral; agora, os casos são encaminhados não apenas ao Gabinete do Promotor Ambiental, mas também ao Gabinete do Promotor Anti-Lavagem de Dinheiro em um esforço para garantir investigações financeiras paralelas.
Se recuperados, os lucros dos crimes ambientais podem ajudar a financiar esforços para proteger a biodiversidade no futuro. Estima-se que os lucros de crimes ambientais totalizem até US$ 281 bilhões por ano. De acordo com Gastón Schulmeister, da OEA (Organização dos Estados Americanos), dada a escala dessas economias ilícitas, “os países devem pensar em como a recuperação de ativos de crimes ambientais pode ajudar a atender as necessidades de financiamento associadas à COP16 e os esforços para proteger a biodiversidade”.
É necessária uma colaboração mais forte entre os países para levar os criminosos ambientais à justiça. A pesquisa da FACT descobriu que muitos desses crimes são de natureza transnacional. No entanto, os países geralmente estão lutando sozinhos. Como Hanny Cueva Beteta, chefe do Programa Global sobre Crimes que Afetam o Meio Ambiente no Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, comentou em um evento da COP16, “conectar a aplicação da lei internacionalmente é fundamental”.
Está cada vez mais claro para todos que o termo “desmatamento” é inadequado para descrever toda a gama de danos causados por crimes ambientais. A mineração ilegal de ouro, sem dúvida o crime ambiental mais sério na América Latina, causa danos ambientais devastadores, mas nem sempre resulta em desmatamento, especialmente quando a mineração ocorre ao longo dos rios. Além disso, especialistas estão chamando a atenção para a necessidade de proteger outros ecossistemas além das florestas tropicais, como pântanos, pastagens e a tundra alpina que é conhecida como páramos.
A mineração ilegal de ouro continua sendo uma das principais preocupações. O Governo da Colômbia fez da rastreabilidade uma prioridade de alto nível para a COP16, com o lançamento do Compromisso Global para um Acordo Internacional sobre Rastreabilidade da Cadeia de Fornecimento de Minerais, em 29 de outubro. No nível local, Cali liderou a criação de uma coalizão regional de cidades comprometidas em lidar com crimes ambientais, incluindo a mineração ilegal de ouro. Ao mesmo tempo, a sociedade civil também expressou preocupação com a mineração ilegal de ouro em dezenas de eventos da COP16. A FACT participou de um evento com especialistas da Colômbia, do Peru e do Brasil sobre mineração ilegal de ouro na região amazônica, lançando um documento com sete recomendações de políticas para abordar a questão.