O que as eleições locais de 2024 sinalizam para o futuro da política no Brasil

Fernando Haddad Moura é diretor-executivo da Legisla Brasil e mestre em Políticas Públicas pela Universidade Columbia. Este artigo foi escrito para a edição 141 do boletim semanal do WBO, publicado em 1º de novembro de 2024. Para assinar o boletim e receber gratuitamente, insira seu email no campo indicado. 



Se pintássemos o mapa do Brasil com os resultados das eleições municipais de 2024, usando para isso a mesma lógica que os EUA usam para designar seus estados vermelhos (republicanos ou direita) e azul (democratas ou esquerda), esse mapa brasileiro apareceria coberto de vermelho.

Diferentemente do sistema bipartidário americano, o sistema brasileiro conta atualmente com 29 partidos políticos, de todo o espectro. Nessa eleição municipal de 2024, os partidos políticos situados do centro à direita do espectro tiveram melhor desempenho e conquistaram a maioria dos 5.569 municípios brasileiros em jogo.

No entanto, se esse vermelho usado para colorir graficamente o mapa eleitoral do Brasil significasse sangue, então veríamos muitos pontos pintados, pois, só no primeiro turno das eleições, entre 16 de agosto e 6 de outubro, foram registradas 373 ocorrências de violência contra candidatos ou suas equipes, com 100 tentativas de homicídio e 10 assassinatos – um aumento de 130% desde as eleições de 2020, segundo estudo da Terra de Direitos e Justiça Global.

Agora, se escolhêssemos a cor verde para representar o aspecto financeiro das campanhas políticas, esse mapa estaria coberto com os bilhões de dólares de emendas parlamentares enviadas por congressistas às suas bases eleitorais, que influenciaram fortemente os resultados da votação.

Embora tenha havido uma menor polarização neste ano do que do na eleição presidencial de 2022, ainda assim tivemos uma disputa marcada pela violência, pela influência do dinheiro das emendas parlamentares e pela consolidação de um bloco cada vez mais poderoso de partidos.

Vamos começar pelo primeiro tópico: o Brasil tem um histórico de violência e é um dos países com maior índice de homicídios per capita no mundo. A esfera política não é exceção. De tentativas de assassinato dirigidas a candidatos à violência em debates televisionados, essa eleição pareceu ainda mais violenta e viu disputas locais ganharem cobertura nacional e invadirem as redes sociais causando raiva e desconfiança na classe política. Em São Paulo, por exemplo, a três dias da eleição, 60% dos eleitores disseram ter escolhido seus candidatos por falta de opção melhor. O Tribunal Superior Eleitoral debate como enfrentar essa escalada de violência, mas ainda enfrenta enormes desafios nas próximas eleições.

Outro fator que teve uma influência tremenda foram as emendas parlamentares, um sistema que permite aos congressistas brasileiros direcionar recursos federais para municípios específicos. Desde que formas adicionais de emendas foram criadas em 2021, mais de US$ 14 bilhões foram distribuídos pelo Brasil. De acordo com um estudo do jornal Folha de S.Paulo, prefeitos que receberam mais de três vezes a média nacional dessas emendas por eleitor tiveram uma taxa de reeleição de 92%. . Essa tendência indica que o acesso a fundos federais é uma ferramenta poderosa para vantagem política, pois esses prefeitos, impulsionados de maneira consistente por esses recursos, tiveram taxa de reeleição até 20 pontos percentuais maiores do que aqueles que receberam menos do que a média dos repasses, o que demonstra o crescente impacto dos recursos federais nos resultados das eleições locais, remodelando a dinâmica política no nível municipal.

Mais recentemente, alguns jornalistas e cientistas políticos têm observado a consolidação de um grupo de partidos chamado G7 – um bloco formado pelos sete partidos políticos mais poderosos do país (PSD, MDB, PL, Republicanos, PT, União Brasil, PP). Mesmo antes das eleições de 2024, estava claro o quão influentes esses partidos haviam se tornado, pois eles detêm 80% das cadeiras no Congresso e controlam 70% do Fundo de Campanha. Se excluirmos do segundo turno o único partido de esquerda do bloco, o PT (Partido dos Trabalhadores), de Lula, veremos que essas legendas que compõem o G7 elegeram 4.019 prefeitos, o que representa 72% dos 5.569 municípios brasileiros. Ao mesmo tempo, os três partidos de esquerda/centro-esquerda com mais prefeitos eleitos — PSB (309), PT (252) e PDT (150) — combinados totalizaram 711 prefeitos, o que equivale a apenas 13%. No poder legislativo, esse grupo poderoso aumentou o número de vereadores em 19% na comparação entre 2020 a 2024, chegando a um total de 36.792 vereadores, o que representa 63% dos legisladores municipais.

Esses resultados mostram três coisas: a consolidação do poder em partidos menos políticos; o domínio da centro-direita, direita e extrema direita na política brasileira; e o quão bem posicionados esses partidos e seus representantes estarão nas eleições nacionais de 2026.

Com o fim desta eleição, os olhos políticos do Brasil se voltam para a eleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, prevista para ocorrer em fevereiro, quando os 513 congressistas federais escolherão o que muitos diriam ser o segundo cargo mais poderoso da República.

O atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que mantém uma relação bastante turbulenta com o governo Lula, depois de enfrentar desafios para escolher seu sucessor, declarou nesta semana seu apoio a Hugo Mota (Rep-PB). O cargo é central para a manutenção de um bom relacionamento com o Governo Federal. Além disso, gera benefícios para os congressistas gananciosos. Três candidatos estão na disputa e começaram a mover suas peças do tabuleiro de xadrez, sob o olhar atento de todos que esperam que a pessoa escolhida agirá em seu favor.

Resta saber se Lula terá capacidade política e capital para ajudar a eleger alguém que possa trabalhar em melhor harmonia com ele, ou se os partidos de direita e centro usarão sua influência e força para reter todo o poder para si, mantendo o Governo Federal de joelhos. Independentemente de quem vença, a partir de fevereiro começa o pontapé inicial para responder a uma pergunta maior: quais são os candidatos que esses poderosos partidos políticos escolherão para enfrentar o presidente Lula, que provavelmente concorrerá a um quarto mandato em 2026? A resposta certamente virá daqueles que ganharam uma quantidade imensa de poder no Senado, na Câmara e agora em milhares de municípios.


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