Liderando a Mudança e Fortalecendo a Democracia
Tainah Santos Pereira é coordenadora política do Mulheres Negras Decidem, movimento social dedicado a promover a participação de mulheres negras na política institucional. É também doutoranda em Economia Política Internacional pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), mestre em Ciência Política pela Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) e bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estácio de Sá. Foi bolsista do Draper Hills Summer Program on Democracy, Development and the Rule of Law em 2022 na Universidade Stanford. Este artigo foi escrito para a edição 140 do boletim semanal do WBO, publicado em 25 de outubro de 2024. Para assinar o boletim e receber gratuitamente, insira seu email no campo indicado.
A sub-representação de mulheres negras nos espaços de poder no Brasil é um desafio histórico que tem sido enfrentado com crescente mobilização e organização. O movimento MND (Mulheres Negras Decidem) surgiu em 2018 com a firme crença nas capacidades das gerações atuais de reverter esse cenário, transformando ética e esteticamente a política institucional. Com uma rede que se expande em todo o país, o MND realiza campanhas, treinamentos e pesquisas centradas em dados para ampliar a participação política dessas mulheres, assegurando que elas tenham o poder de influenciar as decisões que afetam suas vidas.
É interessante observar a presença crescente de mulheres negras na política brasileira. Sem dúvidas, trata-se de um sinal de avanço, resultado de décadas de estratégias e tácticas bem-sucedidas, construídas e executadas pelos movimentos de mulheres negras, de lideranças coletivas como Marielle Franco, Talíria Petrone, Áurea Carolina, Beatriz Caminha, Erika Hilton e muitas outras, que são forças inspiradoras e exemplos de resistência e compromisso com a transformação social a partir de suas atuações dentro dos espaços de poder.
Em 2024, Dandara Tonantzin se destacou como um exemplo de renovação política, concorrendo a prefeita da cidade de Uberlândia, em Minas Gerais, com propostas centradas em justiça racial e igualdade de gênero. Os dados mais recentes das eleições de 2024 indicam que 52,73% das candidaturas são de pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas – um aumento de cerca de 2,7% em comparação com as eleições de 2020. Embora modesto, tal crescimento consolida uma tendência positiva, marcando a segunda eleição consecutiva em que as candidaturas negras superam as de outros grupos demográficos.
No entanto, a luta por equidade ainda enfrenta muitos desafios. Em agosto de 2024, a aprovação da Emenda Constitucional 113/24 reduziu em mais de R$ 1 bilhão (US$ 175,3 milhões) os recursos destinados às candidaturas negras, gerando insegurança jurídica e ameaçando os avanços conquistados nos últimos anos. Os recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas são sabidamente indispensáveis para a viabilidade das candidaturas de mulheres negras, contribuindo de forma significativa para o aumento do índice de elegibilidade deste grupo social.
Por isso, o Mulheres Negras Decidem junto a outros movimentos e organizações da sociedade civil estão lutando no Supremo Tribunal Federal para reverter essa medida, destacando na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 7706 a importância de manter o financiamento proporcional candidaturas negras e femininas, para garantir sua participação efetiva nos pleitos.
Para além das barreiras da institucionalidade, nós também acreditamos que é importante continuar a (re)construir pontes com comunidades negras evangélicas, reconhecendo o papel vital das mulheres negras como agentes de transformação em suas igrejas e territórios. Longe de estigmas ou visões monolíticas sobre o eleitorado evangélico, compreendemos que essas mulheres, que são nossas mães, tias e irmãs, podem, sim, ser receptivas a propostas políticas de combate às desigualdades, sobretudo quanto ao enfrentamos ao racismo e às mudanças climáticas, dois temas absolutamente urgentes e incontornáveis.
Reconhecemos, ainda, que a aparente fissura da direita no Brasil não significa um abatimento de forças extremistas como o bolsonarismo. Seu impacto sobre os resultados eleitorais em 2024 continua bastante visível e caberá aos setores mais progressistas oferecer uma alternativa de futuro tangível, capaz de reacender as esperanças e mobilizar as massas em torno de um projeto de mudança real.
Para o MND, é indiscutível que não há saída para a democracia brasileira sem a energia das mulheres negras. Apesar de sermos mais de 60 milhões de pessoas, dentro da própria esquerda persistem críticas ao que se convencionou chamar de “política identitária”, como se abordar questões raciais e de gênero fosse um obstáculo para conquistar as massas. No entanto, é sempre importante lembrar que tratar de desigualdades estruturais não é uma distração, mas uma necessidade fundamental para garantir direitos e oportunidades para todos. Ao empoderar mulheres negras, o MND busca demonstrar que sua capacidade de liderança e de construção de soluções resulta em benefícios para todas as pessoas.
As trajetórias de mulheres negras na política brasileira refletem uma jornada de desafios e conquistas. Os exemplos de mulheres negras lideranças coletivas no Brasil, nas Américas e em todo o mundo mostram que a transformação de estruturas historicamente excludentes é possível. As eleições de 2024 sinalizam um momento de esperança e resistência, com mulheres negras assumindo um papel central na construção de um futuro mais justo e democrático.