De Washington a Belém: Diplomacia Parlamentar em Defesa do Clima, da Democracia e do Multilateralismo

Por Maiara Folly*


Entre os dias 4 e 6 de dezembro de 2024, uma comitiva de parlamentares brasileiros progressistas esteve em Washington para uma série de reuniões estratégicas com congressistas estadunidenses e outros atores-chave, incluindo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Departamento de Estado, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Cepal (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos).

O objetivo? Reforçar o compromisso entre Brasil e Estados Unidos na defesa da democracia, na promoção da ação climática e no desenvolvimento sustentável, em contraponto aos retrocessos nessas áreas, intensificados com a eleição de Donald Trump.

A iniciativa, liderada pela Plataforma CIPÓ, pelo WBO (Washington Brazil Office) e pela SRI (Secretaria de Relações Institucionais) da Presidência da República, contou com o apoio da Fundação Heinrich Böll e do ICS (Instituto Clima e Sociedade). Essa missão fez parte de um esforço mais amplo para fortalecer a diplomacia parlamentar como um instrumento de cooperação internacional no enfrentamento de desafios globais, incluindo a crise climática e as ameaças à democracia e ao multilateralismo.

A viagem ocorreu em um contexto desafiador. Os resultados decepcionantes da COP29, realizada em Baku, no Azerbaijão, aliados ao crescimento de governos que se opõem à cooperação internacional em prol da sustentabilidade —evidenciado por ações como o abandono do Acordo de Paris —comprometem a capacidade global de avançar em transições verdes justas e de conter o aquecimento do planeta dentro do limite de 1,5ºC.

Paralelamente, o avanço de discursos antidemocráticos e a crescente articulação de atores de extrema-direita — exemplificada pela mobilização expressiva de parlamentares brasileiros ao redor da posse de Donald Trump — evidenciam a necessidade urgente de intensificar os canais de diálogo e a cooperação entre Brasil e EUA, especialmente entre atores-chave comprometidos com a defesa da democracia, dos direitos humanos e da preservação do meio ambiente.

No primeiro mandato de Donald Trump, além do Congresso, a mobilização de atores subnacionais —incluindo governadores e prefeitos de estados com grande influência econômica e política, como a Califórnia e Chicago — desempenhou um papel relevante na promoção de esforços para alinhar setores econômicos a uma economia de baixo carbono. Esses atores também foram fundamentais para preservar algumas políticas de proteção aos direitos humanos e de acolhimento a migrantes, constantemente ameaçadas pela administração federal.

No Brasil, uma articulação semelhante foi observada durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), resultando na criação e no fortalecimento de alianças estratégicas, como o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal e o Consórcio Brasil Verde, atualmente liderado pelo governo do Estado do Espírito Santo. Além disso, organizações como a Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (ABEMA) ganharam protagonismo, consolidando-se como atores-chave na coordenação de políticas ambientais e climáticas em nível subnacional.

Nos Estados Unidos, o governo Trump 2.0 impõe desafios ainda maiores, com repercussões tanto internas quanto globais. Nos primeiros dias após sua posse, em 20 de janeiro de 2025, sua administração emitiu dezenas de decretos executivos com medidas drásticas, incluindo a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris e da Organização Mundial da Saúde (OMS), além da suspensão abrupta de grande parte da assistência internacional norte-americana. Essas ações impactam diretamente iniciativas voltadas para o alívio a desastres, auxílio a refugiados, programas de saúde e combate à pobreza.

Embora algumas dessas medidas tenham sido bloqueadas, ao menos temporariamente, por tribunais — muitas delas em decorrência de ações legais movidas por parlamentares democratas —, a conjuntura reforça a necessidade de redobrar a articulação entre forças progressistas. Afinal, esses desafios não se restringem aos Estados Unidos. A extrema-direita continua se fortalecendo em países como Brasil e Argentina, além de expandir sua influência na Europa e em outras democracias ao redor do mundo.

Diante desse cenário, a missão parlamentar buscou fomentar articulações estratégicas e iniciar um diálogo para fazer da COP30 um palco de mobilização do campo democrático internacional. Líderes políticos de destaque nos Estados Unidos, como o senador Bernie Sanders, foram convidados pelos parlamentares brasileiros — Arlindo Chinaglia (PT-SP), Célia Xakriabá (PSOL-MG), Dandara (PT-MG) e Túlio Gadelha (Rede-PE) — para comparecer a Belém durante a Conferência da ONU sobre o clima.

Além disso, a missão dialogou com interlocutores norte-americanos sobre propostas concretas com potencial para serem lançadas na COP30, incluindo:

  • Encontro Global de Bancadas Negras nos Parlamentos, para fortalecer a coordenação de políticas voltadas ao enfrentamento dos impactos desproporcionais das mudanças climáticas sobre populações negras e outros grupos historicamente marginalizados.

  • Projetos para garantir a reciclagem de resíduos sólidos gerados durante a COP30, diferenciando a edição de Belém das anteriores, que foram marcadas por uma pegada de carbono considerável.

  • Encontros globais de savanas, como o Cerrado brasileiro, um bioma crucial para o equilíbrio hídrico e climático, mas que ainda recebe pouca atenção internacional e sofre com desmatamento e degradação acelerada em diferentes partes do mundo.

Os fracos resultados das últimas edições das COPs têm levantado dúvidas sobre a capacidade do sistema multilateral de enfrentar o desafio existencial imposto pelas mudanças climáticas. Em um ambiente de crescente desconfiança entre o Norte e o Sul Global, a obtenção de resultados concretos, na velocidade e ambição que a crise climática exige, demandará grande habilidade diplomática por parte da presidência brasileira da COP30. 

Nesse contexto, a diplomacia parlamentar pode desempenhar um papel importante ao permitir que parlamentares atuem de forma coordenada para incentivar negociadores de seus respectivos países a assumirem compromissos mais ambiciosos do que os observados em anos anteriores.

A missão em Washington representou um passo estratégico nesse processo, abrindo caminho para que os Estados Unidos, uma potência global, estejam representados na COP30 não apenas por meio de seu Executivo — que atualmente rejeita a agenda climática —, mas também por meio de seu Parlamento e de outros atores comprometidos com a sustentabilidade.

O sucesso desse esforço dependerá, ainda, da liderança de outros países. As nações desenvolvidas precisarão demonstrar compromisso com a provisão do financiamento climático, enquanto os países em desenvolvimento terão o desafio de se coordenar como um grupo negociador coeso e construtivo. Transformar a COP30 em um marco da relevância do multilateralismo e de sua capacidade de adaptação a uma ordem global multipolar será fundamental para garantir a sobrevida do regime climático global.
Além disso, reforçará, de maneira concreta, que a cooperação internacional — incluindo a diplomacia parlamentar — é um instrumento indispensável para uma resposta justa, eficaz e sustentável à crise climática. 


*Maiara Folly, diretora-executiva e cofundadora da Plataforma CIPÓ.

Este artigo foi escrito para a edição 154 do boletim do WBO, de 14 de fevereiro de 2025. Para ser assinante e receber gratuitamente, toda semana, notícias e análises como esta, basta inserir seu e-mail no campo indicado.


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