Eleições Municipais de 2024: impactos locais e nacionais em um cenário de polarização e crises institucionais

Pedro Kelson, coordenador do Programa de Democracia do WBO. Este artigo foi escrito para a edição 137 do boletim semanal do WBO, publicado em 4 de outubro de 2024. Para assinar o boletim e receber gratuitamente, insira seu email no campo abaixo.



As eleições no Brasil ocorrem a cada dois anos, alternando entre eleições municipais e gerais. Nas eleições municipais, realizadas a cada quatro anos, são eleitos prefeitos e vereadores, com foco na administração local das cidades. Ao todo, 156 milhões de eleitores irão às urnas nos 5.568 municípios do país. Os resultados dessas eleições têm impacto direto nas eleições gerais e na reconfiguração do cenário político nacional, sendo frequentemente vistas como um termômetro da popularidade de partidos e de líderes nacionais. Prefeitos e vereadores eleitos desempenham papéis importantes na articulação de candidaturas para as eleições gerais, influenciando alianças e estratégias partidárias. Além disso, o controle de prefeituras em grandes cidades pode fortalecer ou enfraquecer projetos políticos com ambições nacionais, servindo também como celeiro de novas lideranças.

O pleito de 2024 ocorre em um cenário de intensa polarização política, representada principalmente pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Outro polo de força importante é o “Centrão”, bloco tradicional e pragmático da política brasileira, com ampla presença em todas as instâncias políticas e grande controle do orçamento federal. Esse grupo, de perfil fisiológico e conservador, tende a se aliar às forças políticas que tenham maiores chances de vitória em cada município. Nos pequenos e médios municípios, essas alianças de conveniência são ainda mais comuns, e o debate eleitoral tende a focar mais em questões locais. Já nas grandes capitais, a polarização entre bolsonaristas e lulistas é mais acentuada, espelhando a disputa nacional.

A eleição de São Paulo é vista como uma proxy das eleições de 2026, devido ao caráter altamente nacionalizado da disputa. O presidente Lula apoia ativamente a candidatura de Guilherme Boulos (PSOL), enquanto o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), e o empresário Pablo Marçal (PRTB) disputam o apoio explícito de Bolsonaro e de seus apoiadores. Os três candidatos estão tecnicamente empatados nas pesquisas. Marçal se destaca como a novidade da eleição, concorrendo pelo pequeno PRTB. Apesar de sua estrutura partidária limitada, ele conta com uma rede engajada de jovens voluntários e uma forte presença nas mídias sociais, superando todos os outros políticos do país, exceto Lula e Bolsonaro. Inspirado por figuras da extrema-direita internacional, Marçal adota a agenda conservadora de Bolsonaro, a agressividade de Javier Milei, a retórica errática de Donald Trump, o estilo de Najib Bukele e as estratégias de mídia de Andrew Tate. Sua candidatura, no entanto, está envolvida em uma série de processos por crimes eleitorais, abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação, criando um desafio para o Judiciário. Se sua candidatura for impugnada ou seu mandato cassado, isso poderá reforçar sua retórica anti-sistema, alçando-o ao cenário nacional e fragilizando ainda mais a confiança nas instituições eleitorais.

Debate entre os candidatos em São Paulo. Foto: Renato Pizzutto/Band

A capacidade de Marçal usar as mídias sociais reforça a importância do debate sobre regulação desse tipo de ferramenta. Com a digitalização das campanhas e o acesso sem precedentes a ferramentas de inteligência artificial e de produção de conteúdos sintéticos, o debate público tornou-se ainda mais vulnerável à desinformação em massa. Nos últimos dois anos, o Congresso Nacional tentou, sem sucesso, aprovar uma lei para regular as big techs. Com a ausência de uma legislação específica, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) assumiu essa responsabilidade e, após consultas e audiências públicas, elaborou um conjunto de resoluções que regulam o uso de inteligência artificial, proíbem deepfakes, criam um repositório de decisões judiciais sobre remoção de conteúdo e definem regras de transparência sobre impulsionamento pago de publicações, além de aumentar a responsabilidade das plataformas pela circulação de informações sabidamente inverídicas. Embora essas medidas tenham se mostrado eficazes até o momento, elas geram novas tensões entre a classe política, a sociedade civil e a justiça eleitoral.

Outro elemento importante a se considerar no contexto eleitoral de 2024 é a perspectiva de qualificação da representação política. O Congresso Nacional está aprovando, pela quinta vez, um pacote de anistia para partidos que não cumpriram as cotas de financiamento de candidaturas de de mulheres e pessoas negras. Assim, é provável que em 2024 os recursos eleitorais e partidários, que somam R$ 4,9 bilhões, sigam não sendo destinados a candidaturas de grupos politicamente minorizados, perpetuando o histórico de baixa diversidade na política nacional. Além disso, o tema das mudanças climáticas e da adaptação das cidades permanece fora da agenda eleitoral na maioria dos municípios, apesar dos graves desastres ocorridos no último ano como as enchentes que devastaram dezenas de cidades no Rio Grande do Sul, os deslizamentos de terra que soterraram comunidades inteiras no litoral paulista e as queimadas que destruíram áreas importantes do Cerrado, do Pantanal e da Amazônia.

Esses são alguns dos aspectos gerais relevantes para se ter em consideração ao compreender o momento político que passa o Brasil no âmbito das eleições municipais. Esse quadro traz enormes desafios à sociedade civil organizada e ao campo progressista como um todo, ao indicar a consolidação de um projeto conservador, antidemocrático e anti meio ambiente no país, com ampla base e apoio popular.


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