Para Onde Vão os Direitos Humanos no Mundo? A Resposta Está Soprando no Vento

Por Paulo Lugon Arantes*


“Fique Sabendo: isso pode acontecer novamente”
Volker Türk, Alto Commissário para os Direitos Humanos da ONU

Em um ano claramente atípico, o Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH ONU), verdadeiro parlamento global das Nações Unidas no tema, iniciou em fevereiro sua sessão mais importante do ano devido ao seu Segmento de Alto Nível. Neste Segmento as altas autoridades dos Estados indicam ao mundo suas preocupações e direções para o vento global dos direitos humanos.


O Segmento deste ano abriu com o secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, declarando que “os direitos humanos são o oxigênio da humanidade (…) mas, um a um, os direitos humanos estão sendo sufocados.” Essa fala foi complementada, logo em seguida, pelo próprio alto comissário Voker Turk que alertou, no ponto alto de seu discurso, que a consolidação de direitos humanos não está dada, embora, no fim, tenha dito que há um caminho. Já as mensagens das diversas delegações nacionais e regionais foram temperadas com o tradicional comedimento diplomático. A União Europeia fez um discurso solene, declarando que “pode contar com a UE para continuar a ser um parceiro de colaboração fiável na nossa agenda comum”, ocupando sem alarde um espaço deixado pela chamada saída dos Estados Unidos do CDH ONU.

A China não se furtou de também ocupar este espaço deixado, com um o conhecido tom de cooperação e solidariedade em relação à sua própria visão de um CDH ONU correto. A Índia, também promotora da filosofia da cooperação, enalteceu a importância do multilateralismo, mesmo que defendendo uma reforma nas respectivas estruturas para que elas reflitam as atuais realidades globais, sem as quais os direitos humanos sucumbem. Em tom similar, a África do Sul declarou que continuará defendendo a reforma da governança das instituições de governança global, criticando a seletividade (cherry-picking) presente no Conselho – uma crítica que remonta à antiga Comissão de Direitos Humanos, que foi sucedida pelo Conselho.

Tais discursos contrastam com um silêncio: o da delegação americana. Esse silêncio vem, contudo, cheio de significados, dentre os quais o mais óbvio é o que diz respeito à posição clara do governo Trump II em relação direitos humanos. A volta dos EUA à Declaração do Consenso de Genebra, que nega o conceito de gênero, e a defesa de seu conceito de liberdade de expressão, talvez falem por si, prescindindo de um discurso. Outro significado possível: demonstração de supremacia, de não necessitar explicar à comunidade mundial a sua posição tão clara quanto aos padrões humanos universais, tecidos nas últimas oito décadas.

Tradicionalmente, no plano global, os EUA negam a existência dos DESCAs (Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais). Mas apoiam temas imprescindíveis, como espaço cívico e pessoas defensoras de direitos humanos, emprestando seu peso politico e influência. Com essa saída total, muitos defensores, inclusive de temais ambientais e sociais, perdem uma voz importante. Ao mesmo tempo, perdem também os EUA boa parte de seu soft power e liderança cívica nessa arena global onde a disputa de conceitos por corações e mentes é incessante.

A chamada saída dos Estados Unidos do CDH ONU tem um valor mais simbólico que oficial. O país, ainda na administração Biden, ano passado, já prevendo uma provável vitória de Trump, não concorreu a uma cadeira no órgão. Então, oficialmente, não sendo membro do CDH ONU, não se pode sair de onde não se está. Contudo, a retirada abrupta do financiamento da sociedade civil e do próprio Alto Comissariado da ONU representa uma saída traumática. Este movimento brusco expõe também um problema estrutural e longevo: a instabilidade da filosofia de financiamento do sistema ONU de direitos humanos.

E o Brasil?

A ministra Macaé Evaristo participou do primeiro dia do Segmento de Alto Nível, com um discurso corajoso. Ela defendeu oficialmente a renovação do mandato do de Orientação Sexual e Identidade de Gênero, este ano, além de representar um dos poucos discursos denunciando o avanço da extrema direita – uma das principais ameaças aos direitos humanos na atualidade; ameaça esta que não está presente só no Brasil, mas em uma Europa que segura a respiração a cada apuração das urnas de seus países membros, incluindo as potências francesa e alemã, além dos EUA, do outro lado do Atlântico.

Evaristo reforçou ademais temas caros à diplomacia brasileira, como a Segunda Década dos Afrodescendentes, além de anunciar a candidatura do Brasil à reeleição ao Conselho, em 2027. Foi um discurso arrojado, tendo em vista do amplo leque de alianças do Brasil.

O Brasil é membro fundador dos BRICs, um grupo que tem como membros Rússia e China, dois países que resistem a direitos civis e políticos. Mas também é um Brasil em vias de concluir o Acordo União Européia-Mercosul, cujo parceiro além-mar tem reticências aos mecanismos sobre descendência africana na ONU. Enfim, é uma verdadeira encruzilhada.

É reconfortante ver o Brasil agir com ênfase em um momento de incertezas internas e de lutas internas também. Espera-se que este ímpeto externo também nos inspire aqui, principalmente com um Congresso mais conservador que nunca. De toda sorte, foi um discurso forte, que rompeu com uma aura tíbia e polida demais apresentada durante o Segmento de Alto Nível, inadequada para temos tão difíceis.

E agora, para onde sopra o vento? E qual a resposta soprando no vento? A aparente apatia e polidez do Segmento de Alto Nível, quebrada pelo Brasil, talvez responda: cautela com os ventos fortes alísios e contra-alísios que se alternam sem avisar, típico das alterações climáticas da qual Pacha Mama agora padece. Neste caso, faça como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar, pedindo licença ao poeta.


 *Paulo Lugon Arantes é jurista, expert em proteção internacional dos direitos humanos e coordenador do EBO (Europa Brazil Office). Possui bacharelado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Espírito Santo, UFES (1999); LL.M. em Proteçāo Internacional e Europeia de Direitos Humanos pela Universidade de Utrecht (2003); e doutorado com enfoque em discriminação racial pela Katholieke Universiteit Leuven (2019). Atualmente é professor, consultor e parecerista com extenso trabalho no sistema ONU de Proteção dos Direitos Humanos.

Este artigo foi escrito para a edição 156 do boletim do WBO, de 28 de fevereiro de 2025. Para ser assinante e receber gratuitamente, toda semana, notícias e análises como esta, basta inserir seu e-mail no campo indicado.


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