Lula é eleito presidente do Brasil. Bolsonaro deve trabalhar pela transição
Press release WBO 1º de novembro de 2022
Candidato do PT recebeu mais de 2 milhões de votos a mais que seu rival e deve assumir o cargo em 1º de janeiro de 2023
Atual presidente deve reconhecer o resultado e se abster de incitar a violência e os questionamentos infundados
Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente do Brasil neste domingo (30) ao derrotar o atual presidente, Jair Bolsonaro, no segundo turno. O candidato petista assumirá o cargo no dia 1º de janeiro de 2023. Esta será a terceira vez que Lula governa o Brasil. Antes, ele foi eleito presidente em 2002 e reeleito em 2006.
O candidato petista recebeu mais de 60,3 milhões de votos (50,9% do total). Bolsonaro teve pouco mais de 58,2 milhões (49,1%%). A diferença entre eles foi de aproximadamente 2,1 milhões de votos (1,8%), de acordo com os dados oficiais do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Apesar de a Justiça Eleitoral ter atestado o resultado das urnas e de nenhuma missão internacional de observadores ter feito qualquer comentário negativo sobre o processo, o presidente Bolsonaro manteve a tática de minar a democracia até o fim. Ele demorou 45 horas para se pronunciar sobre o resultado.
Quando finalmente se pronunciou, na tarde desta terça-feira (1º), o presidente brasileiro falou por apenas 2 minutos, sem proferir nenhuma frase clara de reconhecimento do resultado e de saudação aseu adversário, que saiu vitorioso. Bolsonaro referiu-se ao movimento de seus apoiadores, que desde o dia seguinte à eleição, bloqueiam rodovias do Brasil pedindo um golpe de Estado. Para ele “os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral.” O presidente não explicou que “injustiça” seria essa.
Bloqueios de rodovias
A votação foi marcada, neste domingo (30), por uma série de operações realizadas pela Polícia Rodoviária Federal em estradas de várias partes do país, que dificultaram a chegada de eleitores às urnas. O jornal Folha de S.Paulo relatou a ocorrência de 514 operações do tipo, um aumento de 70% em relação a operações semelhantes realizadas no primeiro turno, em 2 de outubro; a maior parte delas concentrada em estados da região nordeste do Brasil, o maior reduto eleitoral de Lula.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, disse em pronunciamento oficial seguido de entrevista coletiva à imprensa, que as operações da Polícia Rodoviária Federal podem ter retardado a chegada de alguns eleitores aos locais de votação, mas não chegaram a impedir ninguém de votar.
Episódios de violência
Nos dias que antecederam o segundo turno, foram registrados dois importantes episódios de violência envolvendo aliados de Bolsonaro. No domingo que antecedeu o segundo turno, 24 de outubro, o ex-deputado federal Roberto Jefferson lançou granadas de efeito moral e efetuou disparos de fuzil contra um grupo de policiais federais que foram à casa dele, na cidade de Comendador Levy Gasparian, no estado do Rio de Janeiro, para cumprir um mandado de prisão por ele ter violar as regras do regime de prisão domiciliar. Jefferson teve a prisão preventiva decretada pela Justiça na quinta-feira (27).
Em outro episódio, a deputada federal bolsonarista Carla Zambelli correu atrás de um eleitor de Lula pelas ruas de um bairro nobre de São Paulo, com uma arma de fogo na mão, no dia 29 de outubro, véspera do segundo turno. Um dos seguranças da deputada chegou a disparar a própria arma de fogo contra o chão, enquanto também ameaçava o eleitor petista, um homem negro que havia interpelado o grupo de Zambelli com xingamentos na frente de um restaurante. O segurança da deputada foi preso e liberado sob fiança. A própria deputada terá seu caso analisado pelo Supremo Tribunal Federal, de acordo com o ministro do Supremo Alexandre de Moraes.
Após a vitória de Lula, militantes bolsonaristas fizeram bloqueios em mais de 200 pontos, em 18 estados brasileiros, pedindo um golpe de Estado. A Polícia Rodoviária Federal – cujo comandante, Silvinei Vasques, é um militante bolsonarista declarado – demorou a desbloquear as vias, que só voltaram a fluir nesta terça-feira (1º), após o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, estipular pagamento de multa pelo descumprimento da ordem e ameaçar prendê-lo.
A posição do WBO
“A atitude de Bolsonaro, de não reconhecer sua própria derrota nas primeiras 45 horas, e de apresentar suspeitas ambíguas e infundadas sobre as urnas e sobre o sistema eleitoral, representa um grave ataque à democracia. Não há nada, nenhuma informação confiável, que corrobore o que o presidente brasileiro está dizendo a respeito de uma suposta ‘injustiça’ no processo. Os argumentos dele são apenas uma forma ilegítima de negar a própria derrota, e devem ser rechaçados como tal”, disse Paulo Abrão, diretor-executivo do WBO (Washington Brazil Office).
“O momento imediatamente posterior à divulgação do resultado das urnas é delicado, porque o presidente Bolsonaro insistiu em, com seu silêncio omisso, animar uma base política radicalizada e violenta. As consequências dessa atitude irresponsável podem ser graves. Entretanto, registramos com satisfação o fato de que vários líderes democratas do mundo todo, incluindo os presidentes da França e dos EUA, por exemplo, enviaram um sinal uníssono e inequívoco em defesa do resultado desta eleição, da vitória de Lula e da confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro”, disse James Green, professor de história e cultura do Brasil na Brown University e presidente do Conselho Diretivo do WBO.
Preocupações adiante
“Os dois meses que separam a eleição da posse serão especialmente delicados”, acrescentou Abrão. “É preciso que Bolsonaro se abstenha de incitar quaisquer atos de violência e, mais do que isso, é preciso que ele dê declarações públicas claras e sem nenhuma ambiguidade no sentido de desestimular qualquer tipo de atitude que busque contestar o resultado das urnas e a posse de Lula por parte de seus aliados e de seus apoiadores”.
O WBO considera que a vitória de Lula representa uma oportunidade valiosa para reconstruir a democracia no Brasil, depois de quatro anos de vigência de um governo de extrema direita que atentou contra os pilares institucionais e contra os contrapesos da República. Um novo mandato de Lula – respaldado por um amplo arco de forças democráticas, de diversos matizes ideológicos – dá ao Brasil uma chance renovada de voltar a enfrentar com seriedade mazelas como a desigualdade, a devastação do meio ambiente e o racismo, além de impulsionar medidas positivas em favor dos mais pobres, das mulheres, dos povos indígenas e da democracia e dos direitos humanos, de maneira mais ampla.
A ameaça que Bolsonaro representa não se extingue com o resultado desta eleição. “É preciso vigilância permanente não apenas no período que antecede a posse de Lula, mas também durante toda a vigência do mandato do novo presidente, pois o bolsonarismo segue vivo e suas ideias violentas de contestação à democracia ainda ecoam em uma boa parte da sociedade brasileira, que se deixou radicalizar. Teremos quatro anos de vigilância e de ação efetiva para resguardar as liberdades individuais e o sistema democrático, tanto nas ruas quanto num Congresso que sofrerá a pressão de uma leva de parlamentares ligados à extrema direita radical brasileira”, conclui Green.